Se em torno da aprovação do projeto de lei que alterou as regras sobre direitos autorais reinava a união entre os artistas, na atual discussão, sobre liberdade para publicar biografias, a classe rachou. Cantores, compositores, escritores e empresários têm feito lobby, principalmente pelas redes sociais, alimentando a polêmica que se arrasta há duas semanas. Uma divisão que se reflete também na Câmara dos Deputados, onde há uma proposta que derruba qualquer tipo de censura a obras sobre pessoas públicas. Depois de aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em abril, a matéria deveria seguir diretamente para o Senado, mas foi barrada pela apresentação de um recurso, assinado por 71 parlamentares. Eles querem que o tema passe, primeiro, pelo plenário da Câmara.
Vem do PDT — com quase 30% das 71 assinaturas do recurso — o maior apoio contra o projeto que libera a publicação de biografias, independentemente de autorização prévia do biografado ou dos herdeiros, ao alterar dispositivos do Código Civil. Os demais parlamentares que endossaram a posição contrária estão espalhados por 12 partidos, sobretudo os menores. Entre eles estão o pastor Marco Feliciano (PSC-SP), Jaqueline Roriz (PMN) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). Anthony Garotinho (PP-RJ) anunciou que retiraria o nome dele da lista. Se mais 21 parlamentares fizerem o mesmo, o projeto será encaminhado ao Senado, sem precisar passar pelo plenário. Mas o vice-líder do PDT e autor do recurso, deputado Marcos Rogério (PDT-RO), disse que orientará o partido a votar no sentido de dificultar a análise.
“Primeiro por uma questão regimental. Essa matéria não está no rol das que podem tramitar de forma terminativa (ir para o Senado sem passar pelo plenário). No mérito, também sou contra, porque a Constituição que determina a liberdade de expressão, de pensamento e de realização de atividades artísticas também estabelece a inviolabilidade da imagem e da privacidade das pessoas. Hoje, você não precisa pedir autorização (para publicar uma biografia), mas pode ter a obra retirada de circulação, determinada por um juiz, caso se sinta ofendido. Será que o Brasil está pronto para avançar tanto, dando licença absoluta nesse sentido?”, questiona Marcos Rogério.
Para o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), é anacrônico manter uma legislação que impede, quando acionada, a circulação de biografias de gente pública. “O Código Civil, ao falar em autorização, abre brecha para a censura. Com base nos artigos do Código Civil que o projeto modifica, o biografado consegue impedir a circulação ou retirar o produto do mercado. Pela nova redação proposta, ele poderá pedir indenização por danos e, no caso de uma calúnia ou inverdade, continua com o direito de acionar o Judiciário para pedir, se for o caso, a proibição”, diz Molon.
Nessa terça-feira, audiência na Comissão de Cultura sobre o centenário de Vinicius de Moraes, o cantor Fagner se juntou ao grupo de artistas contrários a qualquer proibição. “Quem não gostar do que for publicado que entre na Justiça. Eles estão pagando mico, queimando o próprio filme ao defender a proibição”, disse Fagner, referindo-se a Caetano Veloso e Gilberto Gil, que já se manifestaram publicamente pela autorização no caso de biografias. Os baianos fazem parte do grupo Procure Saber, que, por meio da empresária Paula Lavigne, abriu a polêmica sobre o assunto. Por outro lado, o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música, que reúne nomes como Frejat, Ivan Lins e Fernanda Abreu, divulgou nota rechaçando a ideia de avaliação prévia para liberação de obras biográficas. Nana Caymmi também se manifestou em favor da liberdade dos escritores. Livros sobre Roberto Carlos e Noel Rosa são alguns dos que estão, hoje, sob censura no país.