Jornal Estado de Minas

PF apura fraude em assinaturas na criação do partido Solidariedade

Funcionários do Legislativo contam que são falsas as firmas apresentadas nas fichas de apoio. Os próprios prejudicados se surpreendem com a semelhança das falsificações com as originais

Correio Braziliense
O deputado Paulo Pereira da Silva, fundador do Solidariedade, fala em complô contra a legenda: "Estão sacaneando a gente em Brasília" - Foto: Briza Cavalcante/Agência Câmara
A Polícia Federal (PF) avançou na investigação sobre os indícios de fraude na coleta de assinaturas para criar o partido Solidariedade (SDD), chancelado no mês passado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em Brasília, mais de 20 pessoas já foram ouvidas pelo delegado Manoel Vieira da Paz. Grande parte desse grupo é formada por funcionários do Poder Legislativo federal. Os servidores informaram, em depoimento, que não assinaram nenhuma ficha de apoio à nova legenda e ficaram impressionados com a semelhança entre as próprias firmas e as que constam nos documentos.
Um grupo menor de testemunhas ouvidas pela PF afirmou não lembrar se havia assinado fichas do partido fundado pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva (SDD-SP), o Paulinho da Força. Procurado pelo Correio, o delegado Manoel Vieira da Paz, responsável pela investigação em Brasília, não quis comentar o caso. Limitou-se a dizer que não poderia passar nenhuma informação sobre a investigação em andamento.

O foco inicial da apuração são os lotes de fichas encaminhados ao Cartório Eleitoral da 1ª Zona, na Asa Sul. Na 14ª Zona Eleitoral, na Asa Norte, das 648 firmas apresentadas, 526 são de funcionários da Câmara, do Senado ou do Tribunal de Contas da União (TCU). Grande parte é filiada ao Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo Federal e do Tribunal de Contas da União (Sindilegis).

O Correio denunciou que também houve fraude no Cartório Eleitoral da 15ª Zona, em Águas Claras, onde a Justiça Eleitoral validou a ficha do ex-servidor do Senado Miguel Honorato dos Santos, falecido em 24 de setembro de 2011, aos 69 anos. Ele aparece como apoiador da nova sigla, que só começou a recolher firmas no ano passado. Uma semana antes, a legenda havia tentado enganar o Cartório Eleitoral da 14ª Zona, ao encaminhar uma ficha assinada por José Washington Chaves, que morreu em agosto de 2006. Somados os registros, já podem ser computados, apenas em dois cartórios eleitorais, 705 servidores que teriam “apoiado” a nova legenda.

Ontem, o vice-procurador-geral Eleitoral, Eugênio Aragão, afirmou que o Ministério Público Eleitoral (MPE) aguarda a conclusão da investigação da Polícia Federal para decidir a estratégia que será adotada. “As notícias são alarmantes e preocupantes. Não podemos ficar quietos”, declarou. Ele teve cautela ao ser questionado se o MPE poderia, com base nas denúncias e na conclusão das investigações, pedir a nulidade do registro do partido. “Precisamos aguardar. Ainda não decidimos a nossa estratégia. Todas as hipóteses estão abertas.”

“Armação”

O Solidariedade voltou a falar, ontem, em conspiração. O secretário-geral do partido, Marcílio Duarte, afirmou que todas as fichas encaminhas à Justiça Eleitoral foram criteriosamente conferidas pelos membros da sigla. “Isso é uma armação. Quando a gente recebe uma quantidade de fichas, a primeira providência é conferir os dados daquela pessoa. A gente manda buscar um CD e verifica. Por isso, eu deduzo que, nas fichas, não pode constar um morto. Se consta, tem alguma armação”, afirmou. O argumento é o mesmo utilizado pelo presidente da legenda. “É provável que exista uma sabotagem. Levam uma ficha para casa e colocam o nome de alguém. Estão sacaneando a gente em Brasília”, disse Paulinho da Força ao Correio, há duas semanas.
Uma ala do PDT acusa o presidente do Sindilegis, Nilton Paixão, de ter vazado dados dos filiados para o Solidariedade. A entidade sindical nega e diz que vai acionar a Justiça. Paixão tem laços estreitos com o Solidariedade. Em vídeo gravado durante evento do PSB em Brasília, a mestre de cerimônia do encontro chama o sindicalista para compor a mesa e o classifica como “representante do Solidariedade”.

A relação de proximidade entre Nilton Paixão e Paulinho da Força é conhecida nos sindicatos do país. Em 22 de abril deste ano, Paixão foi eleito secretário-geral da Força Sindical no Distrito Federal, conforme comprova o site da entidade. No início de 2011, o Sindilegis chegou a se filiar à Força Sindical. Logo em seguida, após pressão de alguns integrantes que não teriam sido avisados, o ato foi desfeito.

Memória

Cartórios paulistas

As suspeitas de fraude nas fichas de apoio do Solidariedade não se limitam aos cartórios eleitorais de Brasília. No município de Várzea Paulista, em São Paulo, por exemplo, a sigla é acusada de falsificar até a firma da chefe de um cartório local. Em Osasco, também em São Paulo, o chefe do cartório Helder Ito de Morais tomou um susto ao perceber que o seu nome constava entre os apoiadores da legenda. Em mensagem interna, ele informou aos colegas que prestaria informações sobre o caso em inquérito instaurado pela Polícia Federal.
Em Suzano (SP), todas as assinaturas entregues foram anuladas pelo juiz eleitoral Rodrigo de Oliveira Carvalho. Todos os eleitores chamados para reconhecer a assinatura negaram que tivessem apoiado o partido. Ao todo, 2,6 mil foram invalidadas.

O Correio mostrou que, além da utilização de dois mortos, vários servidores do Poder Legislativo foram envolvidos na fraude. Até a mulher do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), Gladys Buarque, teve o nome utilizado sem autorização.
O editor da Rádio Senado Antônio Carlos Lopes Buriti disse que vai acionar a Justiça. “Estou profundamente indignado. Trata-se de um ato invasivo, constrangedor e criminoso. Isso é uma fraude. Dados privados foram utilizados sem consentimento para a criação de um partido. Eu sou filiado ao PSol e serei candidato a deputado distrital nas próximas eleições. Como fica a minha situação? O cartório eleitoral aceitou essa fraude”, desabafou.

Sob suspeita

Confira as polêmicas envolvendo o Solidariedade

23 de setembro


Após ter se posicionado favoravelmente à criação do partido Solidariedade, o Ministério Público Eleitoral mudou de opinião. Informou que havia indícios de fraude na formação da legenda e pediu abertura de inquérito à Polícia Federal para apurar suspeita de crime eleitoral.

24 de setembro

Um dia depois, após muita polêmica em razão de suposta falsificação de assinaturas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou a criação do Solidariedade, fundado pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical. A legenda conseguiu 503 mil assinaturas. Para receber o registro, eram necessárias 492 mil.

26 de setembro


O Solidariedade intensificou o assédio a parlamentares da base do governo Dilma Rousseff com o objetivo de migração para a nova sigla. Ao todo, 21 deputados federais se filiaram até 5 de outubro, prazo legal para a mudança de partido antes das eleições de 2014.

2 de outubro

Diante das denúncias de fraude, o PDT, ex-partido de Paulinho da Força, entrou com mandado de segurança no TSE para anular o registro do Solidariedade. Ainda não houve decisão judicial em relação à demanda do PDT. Um ala do partido acusa o Sindilegis de fornecer, sem autorização, dados de filiados do sindicato à nova sigla.

Requisito


A lei exige um número ínimo de assinaturas de eleitores para a criação de partidos, Este ano, eram necessária
492 mil

O Solidariedade apresentou à Justiça Eleitoral
503 mil