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Estado de Minas

"Se não houver mudança, vamos ficar a mercê das biografias chapa-branca", diz sindicato

"Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística", argumenta Sindicato Nacional dos Editores de Livros


postado em 23/10/2013 08:02 / atualizado em 23/10/2013 08:08

Rio de Janeiro – Mudar o Artigo 20 do Código Civil, que prevê a autorização de personalidades ou da família para a produção e publicação de biografias, é necessária para a preservação do conhecimento da história do país, avalia o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).

“Se não houver essa mudança, vamos ficar a mercê apenas de biografias chapa-branca. E toda a luta que a sociedade travou no país contra a ditadura e a censura terá sido, em grande parte, em vão”, diz a presidenta da entidade, Sônia Machado Jardim.

O debate ganhou força nos últimos meses após declarações de cantores de peso nacional contra a liberação das biografias não autorizadas. Entre os artistas que estão se manifestando contra a publicação estão Caetano Veloso, Roberto Carlos e Chico Buarque.

Atualmente, as biografias respondem por 1% do mercado literário, que movimentou em 2012 R$ 4,984 bilhões. Segundo Sônia, nos Estados Unidos, não é preciso autorização para contar a história de uma personalidade pública. "Por isso, o país tem tradição nesse segmento literário, já que autores e editores não encontram impedimentos para a realização desses livros”, comparou. “Não por acaso, no exterior é comum a publicação de várias biografias de uma mesma personalidade”, acrescentou.

De acordo com a presidenta do Snel, o temor de ações judiciais tem levado editores a exercer até mesmo a autocensura. “Quando o editor, na leitura de um original, percebe algo que pode vir a ser caso de litígio, muitas vezes orienta o autor a suprimir o trecho. Isso mostra que, em vez de cuidar apenas da qualidade literária da obra, o editor acaba exercendo uma autocensura prejudicial ao setor”, argumenta Sônia Jardim.

Autor da biografia Roberto Carlos em Detalhes, que desde 2007 está fora de circulação por força de uma ação judicial movida pelo cantor, o escritor Paulo César de Araújo aguarda a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional sobre a questão para voltar a publicar livros.

“Meu trabalho continua, estou sempre atualizando meus arquivos de música popular brasileira e pesquisando temas para futuros livros”, disse o autor, que é professor de história da MPB do Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).

Defensor da liberdade de expressão nas biografias, Araújo compara seu trabalho ao dos compositores. “O biógrafo trabalha com um tema. Roberto Carlos foi apenas o tema de um livro meu, assim como Jesus Cristo foi tema de uma canção do Roberto. Tenho que ter liberdade para tratar desse tema”, acrescentou.

Araújo diz ser contrário à ideia de o biografado ou de seus herdeiros receberem parte dos lucros da obra literária, defendida por alguns artistas como forma de compensação pelo uso da imagem. “Eu não toparia de forma alguma, assim como um compositor não aceitaria dividir o lucro com o tema que ele escolhe. É impraticável, é imoral”.

Para Paulo César de Araújo, os biografados devem recorrer à Justiça para a reparação por danos morais, mas não para retirar uma obra de circulação. “Estou censurado. O livro está fora de circulação há seis anos e oito meses. Isto é mais tempo do que várias canções da época da ditadura”, alega.

Em setembro, um manifesto coletivo, assinado por 50 intelectuais, foi lido pelo escritor Ruy Castro na Bienal do Livro no Rio de Janeiro. No documento, o grupo alega que as biografias correm risco “em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas”.

O grupo argumenta ainda que o Brasil é a “única grande democracia” que depende de prévia autorização do biografado para publicação da obra. “Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da história, típico de regimes totalitários”, diz o manifesto, assinado por nomes como Carlos Heitor Cony, Boris Fausto, Luis Fernando Veríssimo, Ferreira Gullar, Nélida Pinõn e Rosiska Darcy de Oliveira.


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