Jornal Estado de Minas

TRF decide hoje se militares poderão ser processados

Quatro militares da reserva poderão ser processados pelo sequestro de Mário Alves, protagonista de um dos mais conhecidos casos de desaparecimento político da ditadura civil-militar de 1964-1985

Agência Estado
Rio - O Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo) julga nesta quarta-feira se quatro militares da reserva poderão ser processados pelo sequestro de Mário Alves, protagonista de um dos mais conhecidos casos de desaparecimento político da ditadura civil-militar de 1964- 1985.
A 1ª Turma do TRF examinará recurso apresentado pelo Ministério Público Federal contra decisão do juiz Alexandre Libonatti de Abreu, que rejeitou a denúncia contra Luiz Mario Correia Lima, Roberto Augusto de Mattos Duque Estrada, Dulene Aleixo Garcez dos Reis e Valter da Costa Jacarandá.

Todos eles integraram o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 1º Exército, órgão de repressão política e centro de torturas do regime, que funcionava no quartel do 1º Batalhão de Polícia do Exército, na Tijuca, zona norte do Rio. O recurso recebeu parecer favorável da procuradora Adriana de Farias Pereira.

Os quatro militares são acusados de terem sequestrado e torturado Alves, dirigente do clandestino Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) desaparecido desde janeiro de 1970. Segundo relatos de presos políticos que estavam no DOI-Codi, o militante foi brutalmente supliciado pelos acusados e outros integrantes da unidade, já mortos quanto a denúncia foi formulada pelo MPF.

Os militares negam ter tido participação no caso, embora Jacarandá, em audiência pública conjunta das Comissões Estadual e Nacional da Verdade, tenha reconhecido que participou de torturas no DOI.

O novo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, já se manifestou favorável a considerar o sequestro como crime em andamento enquanto a vítima não aparecer. Foi em pedido de prisão preventiva, para fins de extradição, do ex-policial argentino Manuel Alfredo Montenegro, acusado de crimes de privação ilegítima de liberdade e tortura durante a ditadura na Argentina (1972-1977).

Os quatro militares foram denunciados nos artigos 148, parágrafo 2º (sequestro, se resulta à vítima grave sofrimento físico ou moral); 29 (concurso de pessoas); e 61, inciso 2, alíneas a (motivo torpe), c (utilizar recursos que dificultaram ou tornaram impossível a defesa do ofendido) e d (com emprego de ... tortura ou outro meio insidioso ou cruel).

A morte do dirigente comunista foi reconhecida pelo Judiciário em 1987 e em 1995 pela União, por meio da lei 1940. Mas os procuradores da primeira instância não se referiram, na denúncia, ao homicídio, apenas a sequestro e sevícias, com maior ênfase no primeiro crime. Essa formulação não agradou ao magistrado, que rejeitou o pedido da procuradoria.

"Houve uma indevida inversão pelo Ministério Público Federal quando atribui relevância ao sequestro (à privação de liberdade) em detrimento dos maus tratos (à tortura)", afirma o juiz, em seu despacho. "Tal inversão foi deliberada, objetivando adequar a conduta a um crime de natureza permanente, de forma a evitar o fenômeno da prescrição e a eficácia da Lei da Anistia."

Um dos autores da denúncia, o procurador Antonio do Passo Cabral afirmou não haver materialidade no crime de homicídio (pois o corpo de Alves nunca foi achado), diferentemente do de sequestro (o comunista , preso ilegalmente, foi visto no DOI). "Não é nenhuma engenharia jurídica. O Supremo Tribunal Federal já decidiu (da mesma forma) em situações semelhantes", disse, referindo-se a extradições de militares de países vizinhos acuados de crimes contra a humanidade nos anos 70 e 80.