A grande procura de interessados em participar da audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a necessidade de autorização prévia para a publicação de biografias levará a ministra Cármen Lúcia a eliminar a maior parte dos pedidos. Relatora da ação de autoria da Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que defende ampla liberdade para os biógrafos, a magistrada comandará os debates marcados para os próximos dias 21 e 22. Ao Correio, a ministra disse ontem à tarde que a audiência está “muito concorrida”. Segundo ela, houve mais pedidos de inscrição do que a quantidade de vagas que serão abertas para exposições.
Consultada se haverá demora para o julgamento, passo seguinte à realização da audiência, a ministra relatora do processo avisou que “não vai demorar”. Ela, no entanto, não precisou uma data para que o caso seja apreciado pelo plenário da Suprema Corte. A tendência é que os ministros analisem a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) em dezembro, às vésperas do recesso do Judiciário.
As informações iniciais indicam que mais de 40 pessoas físicas e entidades enviaram requerimento de participação na audiência pública do STF. A quantidade, porém, certamente aumentará, pois o prazo para inscrições vai até 12 de novembro. Cármen Lúcia deve abrir espaço para a participação de entidades e representantes da sociedade e do governo, mas dificilmente permitirá a exposição de biógrafos com interesses próprios no tema.
Em jogo, estão dois princípios fundamentais previstos na Constituição: a liberdade de expressão e o direito individual à privacidade. De um lado, escritores e editoras defendem a publicação de biografias sem autorização prévia. De outro, artistas e personalidades estão divididos quanto à questão, mas uma corrente liderada por cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso e Roberto Carlos defende a regulamentação do tema, sob a alegação de que as pessoas têm o direito de proteger a vida privada.
A associação dos editores de livros alega na Adin que os artigos 20 e 21 do Código Civil são inconstitucionais. O argumento é que os dispositivos — que indicam a necessidade de consentimento do biografado ou de seus descendentes — atingem as liberdades de expressão e de informação. Para a entidade, pessoas “cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política haja tomado dimensão pública gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais estreita”.
A convocação de audiências públicas se tornou tradicional no Supremo em 2007, quando, pela primeira vez, o Tribunal abriu espaço para ouvir 20 especialistas sobre o uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Desde então, a Corte realiza audiências para auxiliar os ministros em processos de grande apelo social. Foi assim, por exemplo, com temas como cotas raciais e aborto de fetos anencéfalos. Normalmente, cada expositor dispõe de 15 minutos para defender seu respectivo ponto de vista. A expectativa é que algumas celebridades façam uma concentração no Supremo nos dias 21 e 22, como aconteceu no Congresso, há poucas semanas, por conta da votação da chamada PEC da Música, que regulamentou questões como o direito autoral.
STF x Congresso
Apesar de toda a preparação do Supremo, a aposta de artistas e biógrafos é que o imbróglio será resolvido pelo Congresso Nacional. “Digo que é uma corrida de tartarugas, vamos ver quem vai ganhar. Os presidentes da Câmara e do Senado já disseram que querem votar, e esperamos que seja logo”, diz Domingos Pellegrini, autor da biografia censurada sobre o poeta Paulo Leminski. Ele se refere ao Projeto de Lei 393/2011, que derruba a necessidade de qualquer tipo de aval do biografado ou herdeiros em caso de pessoas públicas. A matéria está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados, mas a pauta está trancada pela proposta que cria o marco civil da internet.