Jornal Estado de Minas

Relatos de um drama diário de quem se valeu do Minha casa, minha vida

Moradores do conjunto construído com recursos do programa em Uberlândia reclamam da precariedade das habitações e do descaso com que são tratados pelas construtoras

Alessandra Mello

  Iracilda Lizardo no quarto com as paredes mofadas - Foto: Cleiton Borges / Esp. EM
Uberlândia –
O sonho da casa própria no Shopping Park, em Uberlândia, é um pesadelo que se vive junto. Por todas as ruas do condomínio popular, os relatos dos moradores são arrebatadores. Há duas semanas, parte do material elétrico da casa de seu Heleno Almeida Campos, de 58 anos, aposentado por invalidez, foi trocada por outros mais resistentes. Segundo ele, o reparo foi feito por uma empreiteira contratada pela Caixa Econômica Federal (CEF) depois de diversas reclamações de problemas como aquecimento e fogo nos interruptores. A parte de trás da casa, onde era para ser um quintal, continua desnivelada e não pode ser aproveitada. O aposentado conta que já pagou oito caminhões de terra para acertar o terreno, mas ainda não foi suficiente. Cada um, segundo ele, custou R$ 100. “Não tenho dinheiro para comprar mais um caminhão”, lamenta o aposentado, que paga R$ 92 de prestação por mês. Ele teve também de colocar piso na casa, pois o imóvel foi entregue com cerâmica apenas na cozinha. A lâmpada do pequeno corredor que dá acesso ao banheiro não funciona. “Já troquei várias vezes, sempre queima ou dá curto e eu acabei desistindo dela”, afirma o aposentado mostrando um fio dependurado no lugar onde deveria haver uma lâmpada.

A parte da frente de sua casa é de terra. A construtora entregou o imóvel apenas com uma passarela de cimento. “O que parecia um sonho para a gente acabou virando um pesadelo”, reclama o aposentado. Segundo ele, em uma das vezes em que procurou a construtora para reclamar foi alvo de chacota. “Um funcionário do qual não me lembro o nome disse que eu estava pagando uma miséria pela casa e ainda ficava reclamando. É muita humilhação.” O argumento de que os imóveis foram muito baratos e que, se não fosse o empreendimento, muitos estariam morando de favor, na rua ou pagando aluguel é relatado com frequência como a principal desculpa usada pelas construtoras para os problemas nas casas.

O imóvel ao lado do de Heleno Campos também está desnivelado. Para evitar risco para seus três filhos pequenos, Leandro Silva, 34, desempregado, cercou o local com uma tela e no barranco do fundo plantou pés de mandioca. Ele também já teve de comprar seis caminhões de terra para acertar o terreno, mas ainda não foi suficiente. Entre a sua moradia e a dos vizinhos do fundo não há muro. O forro colocado no lugar da laje está soltando e o piso continua no cimento.

Mofo

A dona de casa Iracilda Emídio Lizardo, 76 anos, dorme na sala, pois os dois quartos da casa, que faz parte do conjunto, estão mofados. Segundo ela, que se mudou para o local há dois anos, quando chove a parede fica preta de mofo. Alguns interruptores não acendem e de vez em quando sai fogo das tomadas. Como se não bastassem os problemas de infraestrutura, ela conta que o carnê com a prestação mensal de R$ 82 não tem chegado pelos Correios. “Sempre pago multa por causa disso.” Além da multa pelo atraso, ela tem de pagar R$ 2 pela segunda via do boleto. A não entrega do carnê pelos Correios é uma reclamação feita por todos os moradores ouvidos pela reportagem.

Casa de Cecília Josina foi entregue sem parte do forro - Foto: Cleiton Borges / Esp. EM/D.A PressA casa de dona Cecília Josina de Paula Costa, 47, que vive com o marido, cadeirante, a filha e uma neta ainda bebê no conjunto foi entregue sem portas. A da frente, a dos fundos e as do banheiros foram colocadas por ela com recursos próprios. Segundo ela, as casas foram invadidas antes da entrega oficial e o que foi levado pelos invasores não foi reposto. Os quartos continuam sem portas, em um deles o forro está incompleto e no outro não tem luz. Também na sala, falta  parte do forro, deixando à mostra um emaranhado de fios, a caixa de luz não tem tampa, e uma das paredes está rachada de fora a fora. O fundo também está desnivelado.

O quintal da casa de Angélica Queiroz da Silva, 25 anos, é um barranco de cerca de quatro metros de altura. Para evitar risco para as duas filhas, Eloá e Kaira, ela teve de levantar um muro logo depois da cozinha. “Quando chove o esgoto volta todo e a casa fede inteirinha”, conta. Do lado de fora da residência, vários fios aparentes. “Já reclamamos mas a construtora fala que a gente tem de se conformar porque paga uma merreca”, afirma a dona de casa se referindo à prestação de R$ 50 que a família paga pela casa no conjunto.

Inundação

No primeiro dia na casa nova no Shopping Park a residência da auxiliar de cozinha Francisca de Oliveira, 60 anos, foi inundada. É que a tubulação não estava ligada ao sistema hidráulico, tinha conexão apenas com a rede externa. Tempos depois a casa começou a pegar fogo. “Nossa sorte é que a gente estava em casa e assim que o fogo começou desligamos a chave da energia, que fica do lado de fora da casa.” Ela conta que depois disso trocou toda a fiação. “O eletricista que mexeu disse que era tudo fio fino e ruim.”

A funcionária pública Kátia Silva, 31 anos, mãe de quatro filhos, disse que morre de medo de encontrar a casa queimada na volta do serviço. Trabalhando na única escola municipal do bairro, ela diz que sempre dá um pulo em casa ou liga para os vizinhos para se certificar de que está tudo em ordem. Uma das casas que pegaram fogo no conjunto fica nas proximidades da sua. O temor de incêndio é tanto que nas ruas do conjunto o que não falta são anúncios de eletricistas colados em postes ou pregados no muro. Ela reclama da falta de privacidade. “As casas e os cômodos são separados um dos outros por uma parede incompleta. Se a gente tirar o forro e subir em um banco, a gente vê a casa do vizinho. Isso é péssimo. A gente não tem privacidade nenhuma.”