Jornal Estado de Minas

Unidos contra espionagem

Brasil e Alemanha vão à ONU contra espionagem

ONU começa a examinar a proposta de Brasil e Alemanha para regular o direito à privacidade na internet. Pivô da crise diplomática, Snowden se dispôs a depor até no Congresso americano

Gabriela Walker
Figueiredo rejeitou os argumentos dos EUA de que a espionagem protegeria o mundo do terror - Foto: Ueslei Marcelino/Reuters - 16/9/13
Em resposta às denúncias sobre operações de espionagem realizadas pelo governo norte-americano contra cidadãos e autoridades em todo o mundo, Brasil e Alemanha apresentaram ontem à Organização das Nações Unidas (ONU) um projeto de resolução para garantir o direito à privacidade digital. O texto não menciona diretamente os Estados Unidos, mas reforça como o monitoramento, a interceptação e a coleta de dados podem resultar em violações dos direitos humanos. Iniciativas como o projeto bilateral começam a delinear o caminho para uma discussão internacional não apenas sobre liberdades e direitos fundamentais, mas também sobre regulações para o uso da internet.


O texto apresentado ontem foi intitulado Resolução acerca do direito à privacidade na era digital e será analisado pela 3ª Comissão da Assembleia Geral, que trata de assuntos ligados a questões sociais e humanitárias. A expectativa é de que o projeto seja votado em plenário no início do ano que vem.


Denúncias de que cidadãos, empresas e políticos brasileiros – inclusive a presidente Dilma Rousseff – foram monitorados pela inteligência americana impulsionaram discussões internas sobre a necessidade de uma legislação para o mundo digital. O Brasil foi considerado vanguardista com a elaboração do texto do Marco Civil da Internet, e recebeu apoio da organizações acadêmicas e de membros da sociedade civil internacional. É o caso da Access, associação de direitos humanos que iniciou uma campanha para que o Congresso brasileiro aprove o texto original do projeto sem modificações. Segundo a organização, milhares de pessoas de mais de 100 países assinaram uma petição on-line destinada a apoiar a proposta.


No projeto de resolução apresentado ontem, Brasil e Alemanha manifestam sua “profunda preocupação” com as violações e abusos resultantes da vigilância das comunicações, e lembram aos Estados que as medidas tomadas para combater o terrorismo devem “respeitar o direito internacional”. Washington justificou a princípio seus atos de espionagem pela necessidade de proteger o mundo de ataques terroristas, mas o ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo demonstrou a “indignação” do governo brasileiro, classificando as ações de espionagem como algo “inaceitável e grave”, enquanto a chanceler alemã Angela Merkel disse ao presidente norte-americano, Barack Obama, que “amigos não espionam uns aos outros”.


PRONTO PARA FALAR
Edward Snowden, ex-técnico da inteligência dos EUA e responsável pela revelação do esquema internacional de interceptação, se dispôs a depor diante de promotores alemães e do próprio Congresso americano. O pivô da crise diplomática vivida por Washington expressou o desejo durante encontro com o deputado alemão Hans-Christian Ströbele, que ontem revelou detalhes da conversa. Por intermédio do parlamentar, Snowden enviou uma carta a Angela Merkel, ao Budestag (parlamento) e ao Ministério Público alemão. “Falar a verdade não é um crime. Estou confiante de que, com o apoio da comunidade internacional, o governo americano vai abandonar esse comportamento nocivo”, escreveu. O Congresso brasileiro também quer ouvir Snowden.

EUA faz mea culpa

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, reconheceu que os serviços de inteligência americanos, em alguns casos, foram “longe demais”. Durante uma conferência da Parceria para um Governo Aberto, em Londres, Kerry afirmou que agências operavam “no piloto automático” e que os EUA vão tentar garantir que essas ações “não voltem a acontecer”. O secretário de Estado é, até o momento, o funcionário de mais alto escalão do governo Obama a admitir excessos por parte da Agência de Segurança Nacional (NSA). Ele garantiu que “pessoas inocentes não estão sendo objeto de abuso”. Defendeu, porém, as práticas da inteligência alegando elas permitiram impedir ataques terroristas. “Na realidade, temos evitado que aviões sejam derrubados, que edifícios sejam explodidos e que pessoas sejam assassinadas porque fomos capazes de saber com antecedência desses planos", argumentou.