O governo decidiu cercar o Congresso para evitar que um conjunto de propostas que aumenta os gastos públicos em torno de R$ 60 bilhões seja aprovado pelo Legislativo e corroa ainda mais a combalida saúde econômica do país — o que dificultaria a campanha da presidente Dilma Rousseff. Há dois dias, o Planalto conversa com os caciques do Congresso em busca de uma saída para o que os próprios palacianos batizaram de “pauta do fim do mundo”. O líder do PT na Câmara, José Guimarães (CE), vai propor um pacto da base pela responsabilidade fiscal e pedir socorro à oposição para que as coisas não degringolem de vez. “Se aprovarmos tudo que está aqui, o Brasil amanhece quebrado em 31 de dezembro”, afirmou o parlamentar após reunião com a ministra da Secretaria de Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Os termos do que será oferecido aos aliados ainda serão discutidos.
Até Dilma resolveu agir diretamente na ofensiva. Na segunda-feira, durante encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), no Palácio da Alvorada, ela pediu para o Congresso evitar a aprovação de projetos que provoquem um deficit fiscal para o país. Ontem, durante almoço no Palácio do Planalto com líderes da Câmara para discutir a prorrogação dos incentivos fiscais para a Zona Franca de Manaus, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi enfático ao afirmar que o governo está se equilibrando para não tornar as coisas mais difíceis. “Da nossa parte, as finanças estão equacionadas, mas precisamos da ajuda de vocês para que os gastos não aumentem”, pediu o ministro, segundo relato de líderes presentes no encontro.
Mantega afirmou que os países emergentes e a Europa começam a dar sinais de recuperação, o que pode aumentar as vendas brasileiras para o exterior. “Mas não podemos nem pensar em dar mais desonerações ou incentivos internos. Não temos mais margem para isso”, disse. Ideli Salvatti comparou a situação fiscal do país com uma residência. “Todas as famílias têm essa regra: só gastar aquilo que ganham. Os governos, mais do que ninguém, têm que cumprir essa regra.”
Piso nacional
Uma encruzilhada da qual o governo ainda não sabe como escapar é a criação de um plano de carreira e o piso salarial profissional nacional de R$ 950 para os agentes comunitários de saúde e os agentes de combate às endemias. “Se o piso passar a ser de R$ 950, quem vai pagar os 30% de contrapartidas sociais? Todas as prefeituras estão quebradas”, disse o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Nem mesmo o socorro financeiro para estados e municípios está garantido. Aprovado na Câmara, o projeto de lei que muda o indexador da dívida de governadores e prefeitos corre sérios riscos no Senado, uma vez que parte da bancada nordestina quer incluir no texto um dispositivo para legalizar os incentivos fiscais de ICMS dados para atrair empresas à região. Se isso for feito, a proposta terá que retornar à Câmara.
Fogo amigo
Para complicar a situação do governo, parte dos projetos da “pauta do fim do mundo” são de iniciativa dos próprios aliados. Um exemplo é a PEC que atrela o salário de determinadas categorias do funcionalismo público ao vencimento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto, do petista Amauri Teixeira (BA), está em comissão especial da Câmara.
“Estamos em ano pré-eleitoral, e o tempo é propício para a fermentação de pautas demagógicas”, avaliou um experiente analista político do Congresso. Henrique Eduardo Alves concorda com a tese e acrescenta que existem demandas que chegam aos parlamentares a partir da pressão dos eleitores: “Temos que apreciar essas sugestões com muito cuidado e zelo devido à responsabilidade fiscal”. Apesar do discurso de austeridade com as contas, o próprio peemedebista estuda apresentar uma emenda constitucional aumentando em dois pontos percentuais o Fundo de Participação dos Municípios (FPM).
Os temores do Planalto são vistos com ironia pela oposição. “Quem tem que controlar os projetos de aumentos de gastos no Congresso é a maioria. O governo não equilibra as próprias contas, não tem controle sobre a base parlamentar? Agora quer colocar a culpa na oposição?”, tripudiou o deputado Bruno Araújo (PSDB-PE).
Bombas-relógio
- Veja o tamanho do rombo que o governo calcula com a chamada “pauta do fim do mundo”
R$ 46 bilhões
A PEC 300/08 estipula um piso nacional para policiais civis, militares e bombeiros. A categoria propõe o piso de R$ 3,5 mil. Não há previsão de quando a proposta será votada na Câmara e todos os atores envolvidos no assunto — sindicatos, parlamentares e governo — divergem sobre os números.
R$ 13,5 bilhões
O PL n° 248/13 prevê passe livre para estudantes no transporte público. Senadores afirmam que os recursos poderão vir do Orçamento da União, mas defendem audiência pública com a Comissão Mista de Orçamento (CMO) antes de uma definição.
R$ 2,5 bilhões
A PEC 391/09 cria o plano de carreira e o piso salarial nacional de R$ 950 para os agentes comunitários de saúde e de combate às endemias. A votação em plenário está prevista para 12 de novembro.
R$ 200 milhões
A PEC 556/02, conhecida como PEC da Borracha, foi aprovada ontem e determina que os seringueiros que trabalharam na extração de látex durante a Segunda Guerra Mundial sejam indenizados em R$ 25 mil cada, além de R$ 25 mil para os pensionistas, pagos em parcela única.
- Confira outros projetos da pauta explosiva para os quais ainda não há cálculos precisos do impacto nas contas públicas
PEC 405/09 — Cria o Regime de Aposentadoria Especial para o Garimpeiro e o Pequeno Minerador. Está pronta para votação em plenário , mas requerimento de 11 de setembro retirou a matéria da pauta
PLP n° 251/05 — Autoriza o aporte de recursos para os profissionais da saúde. Em 11 de setembro, ficou definida a criação de um comissão especial para tratar do assunto.
PL n° 2.607/11 — Propõe a isenção de Imposto de Renda para professores da rede pública. Está pronto para votação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
PL n° 2.233/07 — Amplia os parcelamentos de débitos com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) das entidades sem fins lucrativos para 360 prestações mensais. Pronto para votação na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
PL n° 5.408/05 — Autoriza que até 5% das disponibilidades de caixa dos estados, do Distrito Federal e dos municípios sejam depositadas em cooperativas de crédito. Pronto para entrar na pauta da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara.
PEC 147/12 — Vincula salários de grupos de servidores aos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Carreiras como os auditores fiscais da Receita Federal, os auditores fiscais do Trabalho e os servidores do Banco Central receberiam 90,25% do subsídio mensal fixado para os ministros do STF. Encontra-se em comissão especial da Câmara.