Jornal Estado de Minas

Restos mortais de Jango serão recebidos com honras militares em Brasília

Restos mortais do presidente da República deposto pelos militares em 1964 serão recebidos hoje no aeroporto de Brasília com cerimônia oficial e a presença de Dilma

André Shalders
Peritos na exumação dos restos mortais de Jango, em São Borja: início do processo de investigação - Foto: Itamar Aguiar/Futura Press/ Estadão Conteúdo
Depois de complicações no processo de exumação, os restos mortais do ex-presidente da República João Goulart chegam a Brasília na manhã desta quinta-feira, a bordo do avião presidencial. Eles serão recebidos com honras militares no hangar da Base Aérea de Brasília, em cerimônia restrita a familiares, autoridades e convidados. Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmaram presença. Já Fernando Henrique Cardoso avisou que não participará da recepção, por conta de compromissos anteriormente agendados e de problemas de saúde. No Senado, um projeto de resolução apresentado pelos senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Pedro Simon (PMDB-RS) pretende restituir o mandato de Jango.
O procedimento para a retirada do caixão com os restos mortais de Jango, em São Borja (RS), foi iniciado ontem por volta das 8h, com a retirada da tampa de pedra do jazigo da família Goulart, que pesa cerca de 300 quilos. Além de familiares do ex-presidente, a exumação foi acompanhada pelos ministros José Eduardo Cardoso (Justiça) e Maria do Rosário (Direitos Humanos). “É um momento histórico. Todo país democrático precisa fazer esse resgate da verdade”, disse Cardozo. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), também esteve presente. O objetivo da exumação é determinar se o ex-presidente foi realmente vítima de um infarto, como diz a versão oficial, ou se foi assassinado por agentes da Operação Condor, organizada por ditaduras militares latino-americanas para exterminar opositores políticos.

As dificuldades começaram por volta das 13h, quando a equipe de peritos constatou que o caixão do ex-presidente estava íntegro. A equipe optou por retirar e armazenar os gases de dentro do féretro, o que foi feito por meio de uma sonda e levou cerca de três horas. O perito Amaury de Souza Júnior, chefe da equipe, explicou que os gases serão analisados em laboratório, pois existe a possibilidade de encontrar substâncias que estavam no corpo. Amaury ressaltou que a exumação é parte de um processo que vinha sendo planejado com grande antecedência. “São seis meses de trabalho de especialistas brasileiros e estrangeiros. Isso não começa hoje, nem termina amanhã. A exumação representa só uma etapa", disse ele.

No fim da tarde, a ministra Maria do Rosário disse que os atrasos no processo de exumação se devem ao cumprimento estrito das normas internacionais para o tema. Ela ressaltou que os peritos trabalharam ininterruptamente desde o início das atividades. Durante a entrevista, o médico-legista cubano Jorge Caridad Perez, que participou da exumação do corpo de Ernesto Che Guevara, disse que o processo poderia se estender até a manhã de hoje. “Não estamos tendo nenhuma dificuldade, este é o tempo do processo”, disse ele.

O cemitério permaneceu isolado sob forte esquema de segurança da PM gaúcha durante todo o dia. Do lado de fora, manifestantes portavam cartazes pedindo punição para torturadores e condenando o regime militar. “Nós estamos realizando um trabalho bastante dedicado, seguindo protocolos técnicos. O cumprimento desses protocolos é a garantia de um procedimento que possa oferecer resultados mais confiáveis. Nós já contávamos com isso desde o início”. disse Maria do Rosário.

As últimas horas no poder

Em 1964, o país estava mergulhado em uma forte crise econômica e social, com inflação alta e greves de trabalhadores. Havia conflitos entre grupos de esquerda, que exigiam a implementação de reformas de base, sobretudo a reforma agrária, e os conservadores, que acusavam o governo de deixar o comunismo tomar conta do país. João Goulart, um vice que assumiu a Presidência após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, e que tinha forte apoio popular, ficou do lado dos esquerdistas. No comício de 13 de março, ele defendeu seu plano de reformas de base.

Manhã de 31 de março

7h Jango acorda no Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro, assustado com as manchetes dos jornais pedindo sua deposição. Na noite anterior, em evento no Automóvel Club, fez seu último discurso como presidente em defesa das reformas de base.

9h Jango recebe a informação de que tropas do general Olímpio Mourão Filho iam de Juiz de Fora (MG) para o Rio. Jango manda o Regimento Sampaio e o Grupamento de Obuses se juntar ao Batalhão de Petrópolis para deter os recrutas de Mourão e decide pela intervenção em Minas, onde o governador Magalhães Pinto articulava com militares sua queda.

10h Nas Laranjeiras, o deputado San Tiago Dantas (PTB-MG), seu amigo, liga para Afonso Arinos, ministro de Magalhães Pinto, e ouve dele que Minas ia resistir e declarar estado de beligerância, permitindo que o estado receba apoio financeiro e militar dos EUA. Arinos informa que uma frota norte-americana se encaminha para o litoral paulista. Goulart desiste da intervenção em Minas.

Tarde de 31 de março


Jango tenta negociar com os comandos militares, mas recebe ultimatos. Ele se encontra com o general Peri Bevilacqua, que leva um manifesto de generais: eles garantem Goulart no poder desde que ele declare ilegal o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e perseguisse os comunistas. Jango não aceita entregar os amigos.

Noite de 31 de março


Jango espera o apoio do comandante do 2º Exército, Amaury Kruel, que se mostra leal aos militares. Kruel diz que o apoia desde que ele feche o CGT e prenda os amigos. Jango se recusa e, nesse momento, o então presidente percebe que perdeu.

Manhã de 1º de abril

O 2º Exército toma a Via Dutra, indo para o então estado da Guanabara. O governador Carlos Lacerda manda prender sindicalistas e espancar estudantes. Militares leais a Jango o aconselham a sair da Guanabara e ir para Brasília. O jornal carioca Correio da Manhã estampa a manchete: “Fora”.

11h
O presidente embarca para Brasília.

Tarde de 1º de abril


No Palácio do Planalto, Jango reúne-se com Waldir Pires, consultor-geral da República, e Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil, que o aconselham a ir para o Rio Grande do Sul e esperar. Redigem a última comunicação de Jango endereçada ao Congresso, assinada por Darcy, informando que o presidente vai para o Sul.

19h Jango embarca para Porto Alegre. Leva cinco horas para chegar à capital gaúcha. Nesse meio-tempo, o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência e convoca o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli, a assumir o comando do país. Mazzilli toma posse no Planalto, com a presença do presidente do Supremo Tribunal Federal, Álvaro Ribeiro da Costa.