Jornal Estado de Minas

"Controle deve ser rigoroso"

Ministra Cármen Lúcia defende aperfeiçoamento da fiscalização de caixa dois

Ministra Cármen Lúcia deixa nesta terça-feira a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

Bertha Maakaroun - enviada especial
A presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia Antunes Rocha, encerrará nesta terça-feira o seu mandato, depois de comandar as eleições municipais mais baratas e com resultados divulgados mais rapidamente da história. Ela deixa o órgão preparado para implantar o processo eletrônico e com um recorde de decisões entre 1º novembro de 2012 e 14 de novembro de 2013:  quase 25 mil, que representam 95% dos processos que chegaram ao TSE. Em balanço sobre os pontos que acredita que podem ser aperfeiçoados na Justiça Eleitoral, a ministra defende que os advogados designados juízes por dois anos passem a receber o subsídio de um membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e tenham dedicação exclusiva ao Tribunal Eleitoral, ficando impedidos de advogar naquele período. Cármen Lúcia prega ainda o aperfeiçoamento do controle da prestação de contas dos candidatos. “Hoje a Justiça Eleitoral não tem as condições necessárias para fazer face a um controle mais rigoroso. Temos é que mudar o modelo da norma de fiscalização e de possibilidade de se ter eficácia nesse sistema”, afirma. Assumirá o TSE para um mandato de seis meses o ministro Marco Aurélio Mello, que em maio será substituído pelo ministro Dias Toffoli, que toma posse hoje como vice-presidente e comandará as eleições.

A senhora conclui o período de exercício da Presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Que avaliação a senhora faz hoje do funcionamento da Justiça Eleitoral: quais são os pontos positivos e aqueles que precisam ser aperfeiçoados?

Preparar as eleições é uma operação de guerra. Para se ter uma ideia do que está envolvido, foram 501 mil urnas distribuídas no Brasil, com uma logística que tem de ser precisa. É uma eleição em que as paixões são mais acirradas e concorrem quase 500 mil candidatos. Tivemos um olhar de administração pública preventiva, o que possibilitou, num contexto em que enfrentamos oito greves – entre elas a dos servidores, dos Correios, dos policiais e dos portuários –, eleições seguras e confiáveis. A cada pleito conseguimos que custem menos. O de 2012 foi o mais barato na história do Brasil: cada voto ficou em R$ 2,41. Em 2008, ano de eleições municipais também, o voto custou quase R$ 4. A nossa eleição foi também a mais rápida: quatro horas depois de fechadas as urnas divulgamos todos os resultados. Tivemos um pleito considerado muito tranquilo. Em alguns estados onde havia cidades com histórico de violência e a necessidade de forças federais, não foram registrados quaisquer incidentes. Isso foi possível por um processo que começou logo que assumi a presidência, em abril de 2012. Iniciamos uma interlocução permanente, em reuniões mensais com todos os presidentes de todos os tribunais regionais eleitorais, em que debatemos as boas práticas de alguns estados que poderiam ser adotadas em outros. Com isso, conseguimos evitar muitas situações de violência. Planejamos muito bem, com reuniões sistemáticas com todo o setor de segurança – Forças Armadas, Polícia Federal, Conselho dos Secretários de Estado de Segurança –, tanto que devolvi à Presidência da República recursos que tinham sido orçados com custos das Forças Armadas, que não precisaram ser utilizados.

Nas eleições municipais de 2010 alguns processos demoraram a transitar em julgado, deixando prefeituras com governos provisórios que se estenderam quase até o final do mandato. Como está o estoque de processos das eleições de 2012?

Foram resolvidos ou tiveram decisão 95% dos processos que chegaram ao TSE. Foram quase 25 mil decisões dadas entre novembro do ano passado e o dia 14, o que é algo inédito naquele tribunal.
Apesar de estar informatizado e com emprego de alta tecnologia todo o processo de a votação e de apuração das eleições, o processo eletrônico ainda não chegou à Justiça Eleitoral. Quando será implantado?
Uma das metas de minha gestão foi iniciar o processo judicial eletrônico na Justiça Eleitoral. Esse excesso de burocracia é caro. A mudança é necessária para acabar com o papel e pela necessidade de transparência. Deixo o processo testado, aprontado, na fase de implantação. Tem até o normativo pronto. O processo de homologação terminou no fim de outubro. Agora a fase é de formar o comitê gestor e começar a implantação no TSE, que deverá escolher que modelo adotará.
O Brasil é, por um lado, referência mundial em tecnologia para executar as eleições, mas por outro, a prestação de contas dos candidatos, embora melhorando ao longo do tempo, ainda é em boa medida peça de ficção. Qual é a eficiência hoje da Justiça Eleitoral para fazer controle e fiscalizar as contas de campanha?
Caixa dois é crime, mas o que se gastou fora não vai aparecer nunca naquela conta. O controle, qualquer que seja o modelo de sistema eleitoral adotado, precisa ser aperfeiçoado permanentemente em dois pontos: na maior transparência e na maior eficácia. Hoje a Justiça Eleitoral não tem as condições necessárias para fazer face a um controle mais rigoroso. Temos é que mudar o modelo da norma de fiscalização e de possibilidade de se ter eficácia nesse sistema. Constituí a Comissão de Estudos sobre Contas Eleitorais e Partidárias para apresentar propostas de aperfeiçoamento do sistema de prestação de contas de partidos políticos e de candidatos no TSE. Ela é integrada por Marcello Cerqueira, Everardo Maciel, Hamilton Carvalhido, Antônio Fernando de Souza e Marcelo Lavenère.

Apesar de depois do mensalão as declarações dos gastos médios de campanha terem melhorado, elas ainda estão longe de representar o que foi gasto efetivamente na campanha. Em sua opinião, há uma preocupação maior agora nas prestações de contas?
Da parte da Justiça Eleitoral há enorme preocupação quanto ao aperfeiçoamento do controle. Para isso constituí a comissão, e do ponto de vista formal, de estrutura, se anotaram dois pontos. O primeiro é que é preciso que a Coordenadoria de Exame das Contas Eleitorais e Partidárias (Coepa) tenha melhores condições materiais e humanas para fazer face à demanda. O segundo é que sob a perspectiva do processo, que tenha seguimento rápido, definitivo, e que ande sem tantas voltas e sem tantas oportunidades para que se esclareça.

Na avaliação da senhora, o fato de as cortes eleitorais serem integradas também por advogados que servem como juízes por um biênio, mas que continuam a advogar, pode levantar alguma dúvida no eleitor quanto à isenção do julgamento?
Eu acho que a estrutura da Justiça Eleitoral pode ser aperfeiçoada. O advogado que compõe a estrutura da justiça eleitoral, quer nos TREs, quer no TSE , continua com a vida de advogado e exerce paralelamente, por um mandato de dois anos, a função de juiz . Isso porque hoje não há um salário, um vencimento para esse advogado que se torna juiz. Ganha-se por jeton, por sessão. Na minha avaliação, é preciso que se mude isso. O advogado que se candidatar e for designado, que fique sendo só juiz durante o período do mandato, recebendo o subsídio, que pode ser o mesmo do conselheiro nacional de Justiça. Ao mesmo tempo, acho que o escritório que esse advogado que se tornou juiz integra deve ficar proibido de advogar em matéria eleitoral. Por quê? Há alguma coisa errada? Não. Mas a Justiça vive da confiança e da credibilidade. As pessoas começam a achar que há alguma coisa nessa estreita ligação entre um juiz e um determinado escritório de advocacia. Pode não acontecer nada, mas passa a ideia de que há risco de tráfico de influência, comprometendo a instituição como um todo.

Olhando para a estrutura administrativa do TSE, qual o ponto que precisa ser aperfeiçoado com maior urgência?

Além de um novo regimento interno e de matérias já assentadas, que acho merecem o tratamento de súmula, há um terceiro ponto muito importante. A Corregedoria Geral Eleitoral precisa de uma mudança radical, pois é um órgão dotado de autonomia, que não se comunica sequer com a Presidência. E isso ocorre em todos os tribunais. No caso do TSE, com um detalhe importantíssimo: o cadastro de eleitores é da corregedoria e nem o presidente tem acesso a isso. É preciso ter normas sobre essa estrutura, o encaminhament e, principalmente, não pode haver órgão autônomo dentro de um único tribunal.

É por é que na polêmica envolvendo a Serasa a senhora afirmou que só tomou conhecimento do fato pela imprensa?
A Serasa pediu à corregedoria que fizesse acordo de cooperação para fazer um batimento de dados: a Serasa perguntaria e faria o batimento. A corregedoria decidiu no sentido de que poderia ser feito e mandou ao diretor-geral. Eu tomei conhecimento pela imprensa, avoquei e o anulei.