Em depoimento de 7 páginas, prestado à Polícia Federal nos autos do inquérito Siemens/Alstom, o engenheiro eletricista da Siemens Peter Andreas Gölitz revela toda a dinâmica, simulações e artifícios empregados pelo cartel de multinacionais para conquistar contratos milionários relativos a 3 grandes empreendimentos do setor metroferroviário nos governos do PSDB em São Paulo, gestões Mário Covas e Geraldo Alckmin (1999/2004).
À PF confessou que “teve conhecimento e participação, na devida proporção e nos limites de suas funções e responsabilidades, de condutas anticompetitivas, em alguns projetos de licitação de metrôs e trens”.
Seu relato descreve ajustes prévios e como executivos das multis combinavam preços e condições em reuniões frequentes para tratar dos projetos Linha 5 do Metrô - antiga linha G da CPTM para construção da conexão Capão Redondo/Largo 13 de Maio -, manutenção dos trens da CPTM série 3000 e projeto Boa Viagem (modernização de trens da CPTM).
A PF o questionou sobre participação de dirigentes do setor de transportes do governo paulista. Ele respondeu que “não tem conhecimento de qualquer envolvimento de agentes públicos na formação de cartel”.
Ao citar o Projeto Boa Viagem disse que “os lotes foram todos previamente divididos entre as empresas licitantes, ou seja, o cartel foi formado”. Ele disse que a “divisão dos lotes era homogênea” e que acredita que “tal fato tenha sido percebido pela empresa estatal CPTM, que nada fez”.
Sobre o projeto da fase 1 da Linha 5 do Metrô ele declarou que estava “ciente da formação de um grande consórcio, envolvendo um ajuste entre as empresas para evitar a concorrência, pois estava encarregado de fazer a cotação de preços de alguns produtos que seriam fornecidos por sua empresa”.
Afirma que “recebia instruções de Jan-Malte Orthmann (outro leniente da Siemens) sobre com quais pessoas deveria falar nas outras empresas para alinhar a oferta global do consórcio, para trocar informações técnicas e sobre equipamentos, visando, especialmente à harmonização de interfaces entre os sistemas”.
Gölitz revela os bastidores de caso emblemático, o Consórcio Sistrem. Esse episódio levou a PF a identificar suposto esquema de corrupção envolvendo o ex-diretor de operações e manutenção da CPTM, João Roberto Zaniboni, condenado na Suíça por lavagem de dinheiro - há duas semanas, a Justiça Federal decretou o bloqueio de R$ 56,45 milhões de Zaniboni e de empresas de consultoria.
Segundo o engenheiro, as empresas Alstom, Daimlerchrysler, Siemens e Caf “participaram em consórcio para evitar a competitividade na licitação, formando o Consórcio Sistrem”. As propostas foram entregues em 1999 e a execução do contrato em 2000. Outro consórcio competiu, dele fazendo parte a Mitsui e a T’Trans.
“A Alstom era encarregada da integração do consórcio, coordenando administrativa e tecnicamente os assuntos”, ressalta Gölitz. “Coube à Alstom encaminhar os aditivos ao cliente.”
Reuniões.Ele afirma que as reuniões dos executivos das multinacionais ocorriam na fábrica da Alstom na Vila Anastácio, Lapa, São Paulo.
“Após a assinatura do contrato entre o Sistrem e a CPTM, o consórcio subcontratou empresas que haviam perdido a licitação, dos grupos Mitsui e T’Trans, o que fez parte dos ajustes entre as empresas”, afirma Gölitz. “Esse tipo de negociação era feita no nível hierárquico mais elevado, pelo (Jan-Malte) Orthmann.”
Conta que “participou de várias reuniões de nível técnico que tiveram consequências sobre custos e preços”. Sobre os contratos de manutenção de trens das séries 2000, 2100 e 3000 da CPTM informou que “estava ciente de que as empresas que apresentaram propostas queriam executar um acordo entre si para a divisão dos lotes das licitações”.
Gölitz disse que encaminhou a dois executivos da Mitsui, Wilson Azevedo e Massao Suzuki, “documento que continha as simulações de resultados para o processo de licitação da série 3000 e levou em conta possíveis pontuações técnicas e preços que poderiam ser atribuídos aos licitantes pela comissão do processo licitatório”.
Cenários.Segundo ele, a simulação levou em conta dois cenários, um com a livre concorrência e outro com acordo entre os “então principais concorrentes, em especial Alstom, CAF e T’Trans”. Afirma que “o primeiro cenário considerava valor próximo ao orçamento, com desconto de 30%, que era o máximo permitido pelo edital, para serem consideradas as propostas como exequíveis”.
Contou que enviou um e-mail para a matriz “informando que os competidores tinham chegado a um acordo para cada um ganhar a manutenção do próprio trem que havia fabricado e fornecido anteriormente, com a finalidade de evitar a competitividade”. “A Alstom tinha estabelecido um preço mais elevado, que foi desclassificada e que iria recorrer da decisão administrativa só para aparentar uma verdadeira concorrência.”
Na licitação para manutenção da série 2000 disse que os trens foram fabricados pela Alstom, CAF e ADTRANZ (Consórcio Cobraman). Declarou que a Siemens foi desqualificada na fase de pré-qualificação e que ele “já sabia de antemão que os documentos necessários para a qualificação técnica exigida no edital não seriam suficientes para ganhar o certame, pois os pré-requisitos não seriam atendidos integralmente e a nota máxima prevista no edital não seria atribuída à empresa”.
Gölitz diz que “era feita uma simulação dentro da Siemens sobre o preço mínimo que a empresa poderia fazer sem levar prejuízo”. Depois, “esse estudo era repassado para Everton (Rheinheimer), seu superior hierárquico”.
Admitiu ser autor de e-mail de 29 de maio de 2002 com o texto “várias partes finalmente chegaram a um acordo”. Disse que se referia à licitação da série 3000. “Significa que não haveria concorrência e a empresa (Siemens) poderia apresentar proposta comercial com a segurança de que ganharia o processo de licitação”.