Alessandra Mello e
Maria Clara Prates
A voracidade de agentes públicos em engordar seus rendimentos com recursos da área da educação pública está estampada nos inúmeros processos por improbidade em tramitação na Justiça e ainda nas auditorias da Controladoria Geral da União (CGU), que são encaminhadas ao Ministério Público Federal. A demora na punição dos gestores, no entanto, fomenta o apetite por fraudes. No dia 8, dois ex-prefeitos da pequena Araçás, cidade baiana de pouco mais de 12 mil habitantes a 131 quilômetros de Salvador, uma ex-secretária de Educação e dois empresários foram condenados pela Justiça Federal, por desviar recursos de programas da Secretaria Municipal de Educação durante mais de uma década.
Entre 1997 e 2008, o esquema devorou recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundeb) e dos programas Dinheiro Direto na Escola (PDDE), Nacional de Apoio ao Transporte Escolar (Pnate), de Alimentação Escolar (Pnae) e de Atenção Básica (PAB). Foram 16 anos até a condenação dos ex-prefeitos de Araçás José Coelho Irmão e Lúcia Helena Oliveira, da ex-secretária Maria Goreth Bastos Rocha Coelho e dos empresários Antônio César Oliveira Albuquerque e Marcos Antônio Bastos Rocha.
Em Minas, os desvios do FNDE alcançam prefeituras das mais diversas regiões e segundo classificação do procurador federal André de Vasconcellos Dias, que denunciou fraudes na aplicação dessas verbas, atingem “bens jurídicos da maior dignidade constitucional”, que são os recursos para educação. Em Luislândia, cidade de 6 mil habitantes, no Norte do estado, o ex-prefeito Assis Ribeiro de Matos foi denunciado por ter usado parte dos recursos da merenda e de um programa de reinserção de jovens que abandonaram a escola no ensino para pagar combustível, conta de telefone e material de construção.
Em Montalvânia, também no Norte, o ex-prefeito José Florisval Ornelas recebeu recursos do FNDE para capacitação de professores da rede pública municipal. Foram R$ 36,1 mil, mas ao contratar para o treinamento o Instituto de Desenvolvimento Regional Ltda., a prefeitura teve que arcar também com despesas de transporte e alimentação. Já em Ilicínea, no Sul, o FNDE repassou R$ 700 mil para a construção de uma escola infantil. O dinheiro foi gasto, mas a obra não passou do alicerce.
Em Várzea da Palma, no Norte de Minas, a prefeitura recebeu R$ 619 mil no ano passado para construir uma creche. O prazo de conclusão era junho, mas no local há apenas uma obra abandonada, com alguns pilares levantados. A licitação foi vencida pela Construtora Vargas Santos, de Lagoa da Prata (MG), que recebeu metade dos recursos e sumiu do mapa. A atual gestão não teve recursos para retomar a obra, mas garante que pretende fazer isso ainda. A Controladoria Geral da União (CGU), que esteve na cidade vistoriando o repasse de recursos federais para a instituição, vai denunciar os desvios ao Ministério Público e Tribunal de Contas da União.
Denuncie
Fique de olho nos recursos que seu município recebe para a educação e denuncie qualquer indício de irregularidade. O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) mantém um portal na internet (www.fnde.gov.br) onde é possível consultar todas as transferências de verbas para as prefeituras.
Falcatrua em família
Nos dois mandatos do ex-prefeito de Araçá (BA) José Coelho Irmão (1997–2004), os recursos escorreram dos cofres públicos por meio de um esquema com empresas fantasmas, que beneficiava parentes dele. Uma das fraudes envolveu a contratação da empresa Choice Seleção e Desenvolvimento de Pessoal, de propriedade de Antônio César, que vivia com a sobrinha de Irmão. O objetivo era capacitação de professores da rede municipal de ensino, com pagamentos nos valores de R$ 85 mil e R$ 40 mil. Segundo a investigação, os professores negaram a realização do treinamento e afirmaram desconhecer a empresa, que não foi localizada no endereço que consta nas notas fiscais.
E não ficou só nisso. O ex-prefeito Irmão contratou ainda a empresa Prestadora de Serviços Jomar, cujo sócio-diretor era Rocha – irmão da então secretária de Educação e nora do prefeito Maria Goreth Bastos Rocha Coelho –, para locação de veículos por meio de licitações forjadas. A CGU detectou o superfaturamento dos contratos em cerca de duas vezes o valor cobrado no mercado. A empresa recebeu da prefeitura mais de meio milhão de reais. A sucessora do prefeito, Lúcia Helena Oliveira (2005–2008), desviou recursos do PDDE, Pnate, Pnae e PAB, usando o mesmo expediente de fraude em licitações. Foram desviados R$ 195 mil em recursos para o reforço à merenda escolar. Foram nove convites fraudados para a compra de alimentos, com pagamento superfaturado.
A pena dos gestores, no entanto, ficou longe do tamanho do dano à comunidade de Araçás. Irmão, Maria Goreth e os empresários Oliveira e Rocha foram condenados a três anos e meio de prisão, pena que foi convertida em prestação de serviços à comunidade. A pena maior coube a ex-prefeita Lúcia Helena, condenada a cinco anos e meio, para cumprimento em regime semiaberto. Ninguém começou a cumprir pena, já que cabem recursos.