É praticamente impossível saber para onde vão os recursos das emendas parlamentares. Somente neste ano elas somaram nada menos que R$ 8,9 bilhões, uma parte considerável de verbas que os deputados e senadores podem indicar dentro do Orçamento da União para atender suas bases eleitorais, mas que dificilmente podem ser rastreados pelo cidadão, que é – em teoria – o principal beneficiado por elas. Nem mesmo por meio dos portais de informação mantidos pelo governo e pelo Congresso Nacional é possível desvendar essa caixa-preta e muito menos seu destino e aplicação final.
A maioria das emendas são genéricas, de valores elevados, e não especificam claramente para onde o dinheiro vai ser repassado. A aplicação final das que são mais detalhadas também não é clara. No Portal da Transparência do governo federal é possível consultar o volume de recursos destinados pelos ministérios aos municípios, mas não há informação se a origem das verbas são as emendas individuais, muito menos o nome dos deputados e senadores responsáveis pela liberação delas. E o montante de dinheiro que eles podem manejar individualmente não é pequeno. No Orçamento de 2013, cada um dos 513 deputados federais e 81 senadores teve direito a indicar R$ 15 milhões, quantia que pode ser dividida no máximo em 25 emendas de R$ 600 mil. Nem todas as emendas, contudo, são liberadas, o que é um forte foco de tensão entre o Congresso e o governo.
Das 746 emendas individuais apresentadas ao Orçamento pela bancada de Minas Gerais, a segunda maior do Congresso, somente 26% especificam o destino dos recursos e dão o nome das prefeituras, entidades públicas e organizações não governamentais beneficiadas. O restante são genérica, como as que aparecem no Orçamento apenas como destinadas a “projetos de desenvolvimento sustentável local integrado em municípios no estado de Minas Gerais”. Para onde esse dinheiro vai e como vai ser aplicado é uma incógnita para o cidadão comum. São conhecidos apenas pelos ministérios, que repassam as verbas por meio de convênios; pelos parlamentares, que usam sua influência para conseguir a liberação dos recursos nas pastas; e pelos prefeitos, responsáveis pelo gasto do dinheiro.
Fraudes Vira e mexe vem à tona uma denúncia envolvendo desvios de emendas parlamentares. O mais antigo completou duas décadas este ano. Foi o escândalo dos Anões do Orçamento, no qual deputados direcionavam emendas individuais para entidades sociais fantasmas. Ninguém foi preso. O mais recente, desbaratado no mês passado em operação conjunta da Polícia Federal e Ministério Público Federal, envolve emendas individuais destinadas ao Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), que teriam sido desviados em sete cidades mineiras. Segundo as investigações, os valores das fraudes somam R$ 3,5 milhões. Outros esquemas ganharam contornos nacionais, como o da Máfia dos Sanguessugas, que atuou de 1999 a 2005, desviando dinheiro de emendas para compra de ambulâncias. As irregularidades envolveram 60 parlamentares, de 19 estados. Como em outros casos, ninguém foi preso ou condenado em sentença definitiva.
Transparência é lei, mas não funciona
Se conhecer o destino das verbas indicadas pelos representantes da população no Parlamento já é difícil, ter acesso aos dados de sua aplicação é ainda mais complexo. Que o diga a professora e administradora Rosalva de Freitas Oliveira, que integra a organização não governamental (ONG) Amigos de Pirapora, que fiscaliza o poder público da cidade. “A gente percorre mil caminhos para tentar saber de onde vêm os recursos, como eles foram aplicados, e não consegue descobrir nada”. Segundo ela, há uma suspeita de superfaturamento na construção de uma fonte luminosa no município, patrocinada com recursos do Ministério das Cidades, mas a entidade não consegue saber detalhes dessa verba. “Dizem que é emenda”, comenta. A administração anterior se envolveu em desvios de emendas parlamentares. O ex-prefeito Warmilon Fonseca Braga (DEM) foi indiciado, por irregularidades, durante a Operação João-de-Barro, que apurou desvio de recursos de emendas parlamentares para a realização de diversas obras.
A falta de transparência das informações sobre as emendas do Orçamento não estão embasadas em lei. Pelo contrário. Quem afirma isso é Emerson Santos, um dos diretores da organização não governamental Instituto de Fiscalização e Controle (IFC), ligada à Articulação Brasileira contra a Corrupção e a Impunidade (Abracci), que monitora a aplicação do Orçamento, inclusive das emendas individuais. Segundo ele, a Lei Complementar 31, de 2009, que alterou a redação da Lei de Responsabilidade Fiscal no que se refere à transparência da gestão fiscal, determina que todos os entes da Federação são obrigados a liberar, em tempo real, informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público. “Mas na prática não é assim, principalmente quando o assunto é emenda parlamentar”, enfatiza. Segundo Emerson, o IFC trabalha para tentar ampliar o projeto de acompanhamento da execução das emendas para o Congresso Nacional.