Jornal Estado de Minas

Solidez intelectual e capacidade de diálogo marcaram vida política de Déda

O governador vai ser velado em Aracaju. O velório será aberto ao público à noite

Denise Rothenburg
"Minha luta vai ser outra em 2014". A frase foi dita pelo governador de Sergipe, Marcelo Déda, em 23 de março, durante almoço em Brasília com o governador da Bahia, Jaques Wagner. Ambos tinham acabado de participar da reunião entre a presidente Dilma Rousseff e os governadores do Nordeste. Déda se referia à luta contra o câncer no estômago, diagnosticado no ano passado, contra o qual lutou até a madrugada desta segunda-feira no hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Tinha 53 anos, dos quais 31 dedicados à vida pública. O governador vai ser velado em Aracaju. Uma parte do velório será restrita a familiares e amigos e à noite será aberto ao público.
Déda desembarcou em Brasília como deputado federal em 1995, primeiro ano do governo Fernando Henrique Cardoso. Logo se destacou na bancada por duas qualidades: a solidez intelectual e a capacidade de diálogo, coisa rara no PT daquele começo tucano. Ele havia começado a carreira filiando-se ao PT, em 1981, aos 21 anos. Depois de uma temporada como advogado da CUT, e de sindicatos associados, e algumas eleições perdidas, se elegeu deputado estadual em 1986, mas não conseguiu a reeleição em 90. 

Conhecedor da literatura e da ciência política, era aberto a conversas com todos os partidos, o que fazia com que ele muitas vezes tivesse embates internos, uma vez que uma grande parcela petista resistia às negociações com os tucanos. A boa convivência só deixava de ocorrer na hora dos embates em plenário, quando o então líder do governo, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), acionava o rolo compressor para aprovar os projetos de interesse do governo. Certa vez, Déda chegou a comentar brincando com Luís Eduardo: "O pai do senhor, presidente, é tão educado e o senhor tão duro. Com quem aprendeu a ser assim?" Diante da resposta, "com a minha mãe", os dois riram juntos, dada a fama do "Toninho Malvadeza" que acompanhou o senador baiano por toda a vida.

A boa convivência fazia com que as festas de aniversário de Déda em Brasília virassem notícia por causa dos adversários do PT que reuniam. O governador gostava de cantar, fez várias parcerias com o atual ministro do Tribunal de Contas da União, José Múcio Monteiro, que também toca violão. Em Sergipe, na seara das festas criou o Forrócaju para fazer frente ao São João de Campina Grande e Caruaru, os mais famosos do país.

A ala do PT mais afeita às conversas políticas com a oposição se ressentiu quando o deputado sergipano renunciou ao mandato parlamentar no final do ano 2000 para assumir a prefeitura de Aracaju. Dois anos depois, quando Lula foi eleito presidente, Déda administrava Aracaju e, assim, ficou fora do grupo que dominou o governo federal. Essa condição, entretanto, lhe permitiu buscar um diálogo com a oposição e atuar nos bastidores de forma a auxiliar a blindagem sobre o Planalto, de forma a preservar Lula, quando estourou o mensalão em 2005. Lá estava ele, de novo, no papel de ponte na política nos bastidores e fazendo falta ao partido naquele momento tão delicado.

Com Lula reeleito, em 2006, Déda também não voltou a Brasília para figurar entre os representantes do primeiro escalão governamental porque venceu João Alves Filho na disputa pelo governo de Sergipe. Em 2010, no ano seguinte à descoberta do primeiro câncer (no pâncreas) e duas cirurgias, Déda foi reeleito governador contra o mesmo João Alves, do DEM. A disputa, entretanto, foi mais acirrada, uma vez que o governador se viu obrigado a ficar 100 dias afastado do cargo para cuidar da saúde.

Déda estava há mais de um mês no hospital Sírio Libanês em São Paulo, acompanhado da mulher, Eliane, e dos filhos. No último sábado, os médicos avisaram a família que era hora das despedidas. Alguns amigos foram visitá-lo, entre eles, o senador Antonio Carlos Valadares, do PSB, e o ex-prefeito Edvaldo Nogueira, parceiro de chapa de Déda nas duas eleições para a prefeitura. Nogueira deixou o hospital anunciando que a situação era irreversível. A luta de Déda terminou mais cedo do que ele esperava. O governador deixa cinco filhos, Marcella, Yasmin e Luísa, do primeiro casamento com Márcia; e os meninos João Marcelo e Matheus, com Eliane.