Jornal Estado de Minas

Servidora admite à Polícia Civil que processos da CBTU ocorrem sem licitação

Chefe do setor de contratos da CBTU não sabe sequer se os preços dos aluguéis dos imóveis estão abaixo dos de mercado

Valquiria Lopes Mateus Parreiras

Ao longo da única linha do metrô de BH há 18 terrenos pertencentes à CBTU e alugados a particulares - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

A responsável pelos contratos de aluguel de lojas, terrenos e outros imóveis da superintendência mineira da Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) admitiu em depoimento à Polícia Civil que os processos são feitos sem licitação. A informação da chefe da Coordenadoria dos Contratos Não Operacionais (Cogno) da companhia, que teve seu nome preservado, foi colhida no inquérito ao qual o Estado de Minas teve acesso com exclusividade. A investigação  apura irregularidades nos contratos de concessão por falta da concorrência pública e subfaturamento que sugere enriquecimento ilícito de funcionários.

No depoimento, a funcionária deu detalhes dos processos para alugar um imóvel. Segundo ela, o pedido do interessado – pessoa física ou jurídica – é levado ao superintendente e posteriormente ao setor jurídico da CBTU para averiguação de dados e da disponibilidade do terreno. Se aprovados os documentos, o contrato é enviado ao superintendente e ao gerente regional de Administração e Finanças para assinatura. A servidora federal, que está na CBTU desde 1999 e na chefia do setor desde 2009, revelou ainda que não sabe se os terrenos dos termos de permissão de uso (TPUs) anteriores à gestão dela têm algum tipo de avaliação. Mas que “atualmente, para avaliar o metro quadrado é feita uma pesquisa de mercado em imobiliárias”.

Ela disse ainda que os contratos estabelecem uma atualização anual de preços, e, diferentemente do que mostrou o EM na edição de terça-feira, a funcionária alega não ter conhecimento se há algum aluguel com preços abaixo do valor de mercado. Além das estações, ao longo dos 28,2 quilômetros da única linha do metrô de BH há 18 terrenos pertencentes à CBTU, que recebe regularmente aluguel de particulares. Desses, pelo menos oito galpões e áreas amplas rendem valores irrisórios, somando R$ 7.514,29, uma média de R$ 939,28 por imóvel.

Depois de 10 meses de apuração, o inquérito que investiga as denúncias de irregularidades nos contratos da CBTU ainda não avançou para a fase de perícias contábeis solicitadas pelo Ministério Público. Também não foram feitas as medições das áreas de terrenos, lojas e imóveis para comparação com valores cobrados no mercado imobiliário.

O inquérito poderia ter avançado mas está numa fila de aproximadamente 2,5 mil casos a serem investigados por dois delegados da 3ª Delegacia de Polícia Civil, no Barro Preto. Um dos indícios de sobrecarga dos profissionais da DP foi constatado pela reportagem que apurou atraso nos prazos para investigação estabelecidos pela Justiça. Em 7 de julho, a polícia solicitou ampliação de três meses do prazo para as apurações.

Desde então, nenhum novo pedido havia sido feito, o que mostra que o prazo se encerrou em 7 de outubro. Somente anteontem, quando o EM pediu informações sobre o inquérito,  o documento foi remetido à Justiça com solicitação de mais tempo para depoimentos e levantamento de provas.

Apesar de compreender a alta demanda de apurações que contrasta com um quadro deficitário de profissionais, o promotor de Defesa do Patrimônio Público Leonardo Barbabela cobra resultados. “Na minha última intervenção no inquérito foram requisitadas inúmeras diligências e perícias. Se o procedimento voltar para o MP, vou apurar por que está demorando”, afirma o promotor, lembrando que as provas  são imprescindíveis para a confirmação ou não das denúncias.

Denúncias levam polícia a priorizar investigação


Questionado sobre a demora nas apurações, o chefe da Polícia Civil, Cylton Brandão, determinou na terça-feira, prioridade na apuração das denúncias apresentadas pelo EM. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, o delegado Alexandre Kennedy Ladeia Barbosa está há 30 dias substituindo a delegada Adriana Monteiro, responsável pela abertura dos inquérito. Ele diz já ter dado continuidade aos depoimentos, feito a requisição dos contratos para iniciar as perícias nos imóveis, além de ter expedido cartas precatórias à Justiça do Rio de Janeiro para interrogar cinco funcionários da diretoria da CBTU naquele estado. Segundo o delegado, as perícias serão solicitadas assim que a polícia tiver acesso aos contratos com suspeita de irregularidade.

Nessa quarta-feira, a advogada que representa a associação dos comerciantes da Estação Eldorado do metrô, Maria Silva, afirmou que se reuniu com os associados e que eles negaram terem sido obrigados a pagar informalmente a funcionários da CBTU valores que não os devidos, como é investigado pelo Ministério Público em mais de 200 contratos.

Os comerciantes questionam estarem pagando concessões abaixo do valor de mercado, fato que a própria CBTU admitiu à reportagem por meio de e-mail enviado no dia 29, informando que “para melhor se adequar ao valor de mercado foi determinado pela atual administração da CBTU a licitação de espaços comerciais no metrô, processo que já está em estudo”. A companhia afirma que, atualmente, “o valor pago pelas permissões de uso de espaço nas estações é calculado com base na localização e demanda de usuários, o que regula a variação de preços”.