Jornal Estado de Minas

Construtoras burlam regras do Minha Casa, Minha Vida e estão na mira do MP

Moradores de 10 estados denunciam taxa de até R$ 3,9 mil

Amanda Almeida

Construtoras e incorporadoras estão burlando as regras do Minha Casa, Minha Vida para garantir um lucro maior nas negociações imobiliárias com os beneficiários do programa, voltado especialmente para famílias de baixa renda. Elas estão cobrando taxa de corretagem – que chegam a R$ 3,9 mil – dos compradores, que, muitas vezes, desconhecem a ilegalidade do procedimento e até deixam de adquirir o imóvel por não terem a verba para bancar a porcentagem. O Ministério Público Federal (MPF) já fez recomendações ou ajuizou ações contra a cobrança em pelo menos 10 estados. A Caixa Econômica Federal, responsável pelo financiamento das habitações, admite que há irregularidades e diz que fez convênio com conselho de corretores para fiscalizar as empresas.

O MPF no Espírito Santo recebeu nada menos que 571 denúncias, em um mês, sobre a taxa – cobrada normalmente por corretores e empresas de compradores de imóveis como comissão pela negociação com o vendedor. Com base nos relatos, os procuradores estão elaborando 31 inquéritos civis públicos e já oficiaram o mesmo número de construtoras e incorporadoras. “A finalidade social do programa é contrária à cobrança da taxa. Outro fator que corrobora para esse entendimento é que, segundo o Código Civil, em regra, quem paga os honorários do corretor é o vendedor”, alegam os procuradores, por meio da assessoria de imprensa.

A professora Sandra Maria dos Santos, de 37 anos, é uma das prejudicadas pela ação das empresas. Ela ganha três salários mínimos e chegou a olhar um imóvel de dois quartos, no Espírito Santo, incluído no programa. “Quando pedi para que me explicassem todo o processo, me informaram que eu deveria pagar R$ 3 mil de taxa de corretagem. Não tenho dinheiro para pagar isso. Estou esperando para ver se há uma mudança e a taxa seja excluída. Muito fácil o governo dizer que financia o apartamento, mas, na prática, a gente ainda ter que pagar valores por fora.”

O diretor-executivo de habitação da Caixa, Teotonio Rezende, diz que a cobrança de corretagem a beneficiário do Minha Casa, Minha Vida é expressamente vedada pelas regras do programa. “Só pode cobrar o valor do imóvel, que está no contrato. Nenhuma outra taxa”, afirma. Ele admite, porém, que, embora a cobrança seja proibida, o valor da corretagem pode ser embutido no preço do imóvel. O programa foi feito para subsidiar a compra de imóvel por famílias com renda de até R$ 1,6 mil e facilitar a aquisição para aquelas com vencimentos de até R$ 5 mil. Foram liberados R$ 125,7 bilhões, entre subsídios e linhas de financiamento, para a iniciativa decolar.

O procurador da República responsável pelo caso, Cleber Eustáquio Neves, diz que a Caixa faz um estudo de custo das unidades habitacionais com todas as despesas necessárias para a viabilização econômica da obra. “Ao transferir esses alegados custos ao consumidor, a construtora está, na verdade, auferindo vantagem indevida, pois esse valor já foi contabilizado no financiamento”, alega.

POPULAÇÃO CARENTE
Em Belém, imóveis vendidos por R$ 89 mil a beneficiários do Minha Casa, Minha Vida ganharam taxa de R$ 3,9 mil. O MPF pede a devolução do dinheiro. “As atitudes ilegais das requeridas prejudicam sobremaneira o consumidor, hipossuficiente na relação de consumo, e ainda, desvirtua o caráter social do programa, o qual objetiva o acesso à moradia à população carente do país”, pondera o procurador da República Bruno Araújo Soares Valente, autor da ação. A Justiça Federal no Rio Grande do Sul já deferiu liminar proibindo quatro empresas de cobrar a taxa.