Jornal Estado de Minas

Comissão mostra papéis que inocentam presos políticos

Agência Estado
Numa cerimônia carregada de emoção, a Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara apresentou nesta terça-feira, 10, no Recife, documentos dos órgãos de segurança pública que inocentam o ex-deputado federal Ricardo Zarattini e o engenheiro Ednaldo Miranda (falecido em 1997) da autoria do atentado a bomba no aeroporto internacional dos Guararapes, no Recife, em 1966, época da ditadura militar. Eles foram acusados de atentar contra o general Arthur da Costa e Silva, então candidato a presidente da República, que era esperado no aeroporto naquele dia, mas decidiu vir de João Pessoa (PB), de carro. Duas pessoas morreram e outras 14 ficaram feridas com a explosão da bomba.
Zarattini e a viúva de Miranda, Maria Lucila Miranda, receberam o documento com o carimbo "confidencial" do Serviço Nacional de Informação (SNI) das mãos do governador Eduardo Campos (PSB), que instituiu a comissão estadual da verdade através de lei em junho do ano passado. O documento afirma que o autor do atentado foi o militante da Ação Popular (AP) Raimundo Gonçalves de Figueiredo, "numa ação isolada, à revelia do comando da AP". Raimundo, de acordo com o documento, estava na clandestinidade, com indícios de que se entrava na Guanabara ou em São Paulo, e as autoridades militares e policiais do Recife estavam cientes do nome do autor do atentado.

Zarattini relembrou, em discurso, que ele e Ednaldo enfrentaram torturas nas dependências do Dops e da Aeronáutica para confessar um crime que não cometeram. Ele foi preso, conseguiu fugir e não chegou a ser condenado pelo crime. Já Ednaldo Miranda foi condenado a dois anos de prisão. Emília Miranda, filha de Ednaldo, afirmou que a vida do pai foi marcada por este episódio e agradeceu emocionada pelo resgate da verdade.

Odijas

Uma certidão de óbito, retificada, por determinação judicial, indicando que o estudante Odijas Carvalho de Souza foi alvo de "homicídio por lesões corporais decorrente de atos de tortura", em 1971, foi recebida por sua viúva, a socióloga Maria Lucila Bezerra. Ela foi presa, no Recife, com o marido, alagoano que estudava Agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e fazia militância política contra o regime de exceção.

No seu depoimento, Maria Lucila lembrou da angústia, quando presa, sem saber do paradeiro do marido. Contou que Odijas sempre cantava a música de Paulinho da Viola "Foi um rio que passou em minha vida" e, certo dia, no pátio da prisão, assoviou a música em direção à ala onde companheiros seus estavam presos e recebeu em troca, também assoviada, uma música que falava em morte. Foi assim que soube que Odijas havia sido assassinado, embora até agora, a sua certidão de óbito informasse que sua morte foi de causa natural.

"Odijas presente, viva Odijas, viva todos os companheiros" foram expressões "puxadas" por Ricardo Zarattini no auditório repleto de pessoas que lutaram contra a ditadura militar, na sede provisória do governo estadual.

Mentiras

Eduardo Campos afirmou que duas mentiras vieram à tona com o trabalho da comissão, num dia simbólico em que se comemora o dia internacional dos direitos humanos. A morte de Odijas foi considerada por ele "um crime político pelo Estado Brasileiro, pelo arbítrio" enquanto a versão inverídica do atentado a bomba foi utilizado para dividir a resistência ao golpe militar.

Ele pregou a continuação das investigações pela comissão, coordenada pelo ex-deputado Fernando Coelho que afirmou da dificuldade de conseguir documentos comprobatórios da época, pesquisados no Arquivo Nacional. "Houve até um golpe de sorte porque eles tiveram tempo e tiraram muita coisa dos arquivos", observou, ao se referir aos documentos apresentados. Coelho informou que mais de 50 mil documentos serão expostos em um "memorial da democracia" para que os historiadores e interessados continuem trabalhando depois que a comissão for encerrada.