Leandro Kleber
Os peritos que prepararam os laudos na época do acidente ganharam o respaldo de quatro outros profissionais que fizeram a exumação do corpo de Geraldo, em 1996, e de dois peritos que auxiliaram os trabalhos de uma comissão especial criada no Congresso para investigar as causas da morte de JK, em 2001. O colegiado foi presidido pelo então deputado federal Paulo Octávio, casado com Anna Christina Kubitschek, neta do ex-presidente.
Sem acreditar que a morte de JK foi consequência de uma batida de carro comum, seu ex-secretário Serafim Jardim, autor do livro Juscelino Kubitschek — Onde está a verdade?, pediu a exumação do corpo de Geraldo em 1996, após a morte de dona Sarah Kubitschek. Uma das versões, até hoje não comprovada, é de que o motorista levou um tiro na cabeça e, por isso, perdeu o controle do carro e bateu no caminhão. O tiro teria partido de um veículo Caravan, que emparelhou com o Opala na pista. Porém, a perícia feita nos anos 1990, em um trabalho assinado por quatro profissionais, derruba essa tese.
De acordo com o médico-legista Márcio Alberto Cardoso, um dos responsáveis pelos serviços, as fotos mostram o crânio de Geraldo intacto, assim que foi tirado da urna no cemitério de Belo Horizonte. “Há imagens publicadas, inclusive, na imprensa. Não havia perfurações ou fratura no crânio dele. O que achamos foi um prego, que chamamos de cravo, usado para fixar uma estrutura de pano nos caixões. Fizemos todos os testes para chegar a essa conclusão. Não tenho a menor dúvida do que fizemos”, afirma.
DOCUMENTAÇÃO
A versão de que JK não sofreu um acidente e, sim, foi vítima de conspiração voltou a ser derrubada por outros peritos, já em 2001. Convidados para auxiliar nos trabalhos da comissão externa da Câmara criada para elucidar os fatos, os peritos criminais Ventura Raphael Martello Filho e João Bosco de Oliveira concluíram, após analisarem a documentação e irem à Via Dutra para fazer diversos testes, que tudo não passou de um acidente. “Com 40 anos de experiência, não consegui descobrir, por meio de laudos, fotos, recursos técnicos e análise do local, que houve ali outra coisa a não ser um acidente de trânsito. O parecer técnico foi feito. Há uma série de impropriedades e argumentos infantis (como as teorias de conspiração)”, avalia Martello.
Os trabalhos técnicos são apoiados por Maria Estela Kubitschek, filha do ex-presidente, e por Maria de Lourdes, filha do motorista Geraldo Ribeiro. Em depoimento à Comissão Especial da Câmara, Maria de Lourdes escreveu: “Eu, na qualidade de representante legal e afetiva da família, diante dos fatos, da credibilidade do IML na época e dos laudos emitidos em vários estados, acredito até hoje que a perícia de 1976 estava correta. Isto é, que meu pai, Geraldo Ribeiro, não tinha sido atingido por projétil de arma de fogo”.
Na época do acidente, chegou-se a comentar ainda que o carro poderia ter explodido, com bombas colocadas no Opala do ex-presidente quando ele parou no hotel fazenda Vila Forte, momentos antes de morrer. Além disso, houve a hipótese de que o carro teve o freio e a suspensão sabotados. Tudo contestado pelos trabalhos técnicos.
CNV investiga o caso
Brasília – Enquanto a Comissão da Verdade da Câmara Municipal de São Paulo considera “o assassinato de Juscelino Kubitschek, vítima de conspiração, complô e atentado político na Rodovia Presidente Dutra, com base em 90 indícios”, a Comissão Nacional da Verdade ainda investiga o caso. De acordo com a assessoria de imprensa do colegiado, os trabalhos estão sendo feitos com base na documentação disponível sobre o assunto e não têm qualquer ligação com o apurado pelo grupo paulista — apesar de haver um acordo de cooperação entre ambos. A próxima reunião da comissão nacional será feita apenas em 2014 e o documento produzido pelos paulistas deverá ser analisado pelos integrantes.
Para o vereador Gilberto Natalini (PV), presidente do grupo paulista, havia motivos para a ditadura assassinar JK. “Ele era um forte candidato a derrotar o adversário do regime militar. Houve, naquele período entre 1975 e 1979, uma matança da cúpula do Partido Comunista Brasileiro e de outros movimentos, como a Ação Libertadora Nacional (ALN)”, diz. Segundo ele, os peritos fizeram laudos falsos. “A gente não é criança. No tempo da ditadura, podia-se fazer isso. Hoje, não. O JK foi vítima de um atentado. O motorista levou um tiro”, acredita Natalini. “A verdadeira história brasileira será resgatada”, avalia.
O perito criminal Alberto Carlos de Minas disse ao Estado de Minas que viu um buraco com características de tiro no crânio do motorista de JK, Geraldo Ribeiro, quando o corpo dele foi exumado em 1996. A cena ocorreu, segundo ele, no Cemitério da Saudade, em Belo Horizonte. “Eu estava a uns 5m de distância do corpo e vi, nitidamente, um orifício no crânio quando uma pessoa tirou a ossada da urna. Depois de tantos anos de trabalho, a gente sabe o que é cada coisa”, garante Alberto, que disse ter sido impedido de fotografar a cena por militares no local. Ele não participou de nenhuma perícia sobre o caso.
Falta de provas Para o ex-secretário de JK, Serafim Jardim, o trabalho da perícia apresenta uma série de equívocos que devem ser contestados. “Venho lutando pela verdade há 17 anos. O perito criminal Sérgio de Souza Leite (responsável pela apuração em 1976) foi posto para fora do Instituto de Criminalística Carlos Éboli em 1995, 19 anos depois do acidente com o Opala de Geraldo Ribeiro, a bem do serviço público. A denúncia era contra os seus laudos, dos quais oito foram arquivados por falta de prova”, acusa.
Ouvido pelo Estado de Minas, Sérgio Leite disse que vai processar Serafim e o presidente da Comissão da Verdade de São Paulo por má-fé. “Eles sabem todo o teor do trabalho da perícia, mas preferem omiti-lo”, afirma. Em relação ao seu afastamento do cargo de perito, Leite diz que foi perseguido pelo ex-prefeito e ex-governador do Rio de Janeiro Marcello Alencar. “Entrei na Justiça depois e ganhei em todas as instâncias. Por isso, voltei ao serviço público e me aposentei”, comenta.
O vereador Natalini (PV), o ex-secretário de JK e o perito Alberto deverão falar sobre o documento com os 90 indícios na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, em Brasília. O deputado Walter Feldman (PSB-SP) apresentou requerimento convidando-os a explicar os trabalhos realizados. A audiência pública deverá ser realizada em 2014. (LK)