O coração de Belo Horizonte pulsa. E como! Todos os dias, milhares e milhares de pessoas passam pela Praça Sete, no Hipercentro da capital mineira. É raro o dia em que ela não abriga algum protesto barulhento ou manifestações as mais variadas, seja em um dos quarteirões fechados ou no cruzamento das avenidas Afonso Pena e Amazonas. Só na semana passada o local foi ocupado por trabalhadores da construção civil e policiais civis reivindicando melhores salários, evangélicos pregando contra a programação da televisão e militantes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) criticando o leilão do pré-sal. Mas um outro protesto, silencioso e anônimo, também faz parte do dia a dia do lugar.
A exceção é um adesivo emblemático, que reflete bem o ativismo político social nos muros do coração da capital mineira. Colocado bem no alto de uma das paredes da praça, no quarteirão fechado da Rua Rio de Janeiro, ele resiste às investidas da turma da limpeza. Está lá desde junho. “Ninguém manda no que a rua diz”, avisa o texto, que já virou um alerta nacional, A frase apareceu nas redes sociais durante os protestos que tomaram conta do Brasil e acabou ganhando as ruas de outras cidades. Adesivos iguais já apareceram nos muros de São Paulo e Porto Velho.
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No quarteirão da Rua Carijós, as placas com a identificação do endereço oficial da praça foram trocados por outras onde se lê “Praça 8 de Março, Dia Internacional da Mulher”. Nessa mesma quadra, uma imagem de Osama bin Laden, mentor do atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, capturado e morto pelos Estados Unidos em 2011, foi impressa em uma cabine telefônica. Entre os frequentadores habituais do local ninguém tem ideia de quem seja o autor.
Emiliano Zapata, líder da Revolução Mexicana de 1910 e figura cultuada por partidos radicais de esquerda, também estampava até há poucos dias um poste da praça. Ele teve a companhia de outro revolucionário, o guerrilheiro Carlos Marighella, eleito deputado federal pelo PCB e que que chegou a ser considerado o inimigo número 1 do regime militar. Fotos dele foram pregadas em diversos pontos da praça. “Há 44 anos morria Marighella. Sua memória é combustível para nossa luta”, diz o texto da homenagem a ele. Dezenas de imagens diferentes de Che Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana, também inundaram a Praça Sete, em outubro, mês em que ele foi assassinado, na Bolívia.
MISTÉRIO
Mas o manifestante mais assíduo de todos é uma incógnita. Todos que frequentam a praça conhecem seu ativismo – bastante conservador – mas não tem ideia de quem ele seja. Toda semana postes dos quatro quarteirões fechados da praça são cobertos por notícias comentadas. O autor tira cópias de reportagens de jornais populares e, à mão, escreve sua opiniões. Na maioria das vezes são assuntos que envolvem violência contra mulheres e crianças e temas da política. Na semana passada o assunto mais comentado por ele foi a prisão dos envolvidos com o mensalão e a apreensão do helicóptero de uma empresa do deputado estadual Gustavo Perrella (SDD) com cocaína. Mas, às vezes, ele usa o espaço também para conselhos para ajudar a preservar o matrimônio. E reclama quando seus “informes” são arrancados.
Mas ele não é o único a transformar postes em jornais. Uma pessoa que se identifica como Arthur Neves é o autor do boletim informativo batizado de O centenário, também colado na Praça Sete. Em uma de suas edições, ele criticava a demora da conclusão das obras do BRT (novo modelo de transporte que está sendo implantado pela Prefeitura de Belo Horizonte) no Centro, que, segundo ele, atrapalha comerciantes e pedestres.
DATA MARCADA
Algumas manifestações nos muros têm data. Caso da foto de cinco cubanos detidos há 13 anos pelos EUA acusados de conspiração. Eles foram presos quando monitoravam em Miami cubano-americanos que fazem oposição ao regime de Fidel Castro. Uma campanha mundial pede a libertação de todos eles. Todo dia 5 de cada mês José Vieira e Telma Araújo, da Associação Cultural José Martí, colam em um muro imagens de todos eles e também manifestos pedindo a sua libertação imediata. “Há 18 meses venho aqui todo dia 5 colar esses cartazes” conta José Vieira, que milita há 40 anos no movimento social. Segundo ele, os cinco são “os últimos soldados da Guerra Fria”. “Gosto muito deste lugar. Tem um astral bom, um clima de liberdade e de luta”. E, segundo ele, é bastante democrático. Os postes e paredes que o digam.