O cerco às fraudes em licitações vai contar com mais um instrumento de controle. Além da criação de um cadastro único das empresas inidôneas, proibidas de contratar com União, estados e municípios, será implementado em 2014 um cadastro eletrônico no qual vão constar todos os dados referentes às concorrências em todos os níveis de administração pública. O documento terá que ser encaminhado aos tribunais de Contas, por meio de um formulário eletrônico, em que vão constar dados como o objeto da licitação, a comissão licitante, o contrato, aditivos contratuais, orçamento, impugnações, além do nome da empresa vencedora, bem como de suas concorrentes, para dificultar a montagem de licitações com participação de empresas de fachada. Tudo isso ficará à disposição de administradores em todos os níveis de governo.
A cidade de Jaíba, entretanto, não é a única. A corriqueira prática pode ser dimensionada se forem considerados os estarrecedores números da Operação João de Barro, desencadeada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal em 2010. A investida policial prendeu cerca de 47 pessoas que se dedicavam a fraudes em licitações dos mais diferentes tipos de obras, entre elas o programa Minha Casa, Minha Vida, para construção de unidades habitacionais para a população de baixa renda. Ao todo, 119 prefeituras eram suspeitas de participar das falcatruas, em sete estados, além do Distrito Federal. “Nós já temos cadastros de empresas inidôneas, por exemplo, mas eles não conversam entre todos os níveis de administração. Além disso, conhecer todas as empresas que participam de uma concorrência é importante para evitar a participação de firmas fantasmas”, explicou André Vaz de Mello, secretário-executivo da Enccla.
Padrão
A padronização de informações já chegou a outra área, a de solicitação de dados cadastrais requisitados por agências de investigação, como Polícia Federal e Ministério Público. De acordo com Vaz de Mello, para garantir agilidade, as solicitações estão sendo feitas em um formulário padrão que é encaminhado a instituições financeiras, à Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito, entre outros. “Por meio desse documento podemos solicitar aos bancos, por exemplo, apenas os pontos focados pela investigação. Não é necessário encaminhar ofícios a todas as instituições onde o investigado possui conta. Para cumprir essa ação do Enccla já definimos 80 pontos focais e o leiaute do documento. Isso parece ser uma bobagem, mas economiza um enorme esforço no levantamento de grande volume de dados, muitas vezes desnecessário.”, explica Vaz de Mello.
De olho nos agentes públicos
Uma das ações da Enccla considerada de fundamental importância – o cadastro de pessoas expostas politicamente (PEPs) –, que terá acesso público, já está com 50% de suas informações completas e a expectativa é de implantação ainda no próximo ano. A medida é necessária para cumprimento da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Convenção da OCDE), da qual o Brasil é signatário e que tem como objetivo a prevenção e o combate à corrupção. Levantamento da Enccla estima que informações sobre ocupantes de 20 mil cargos terão que constar do banco de dados, que têm que incluir os três poderes – Judiciário, Executivo e Legislativo. Os formulários eletrônicos já estão concluídos em relação à Câmara dos Deputados.
O secretário-executivo da Enccla, André Vaz de Mello, disse que a solicitação de informação já foi encaminhada a todos os órgãos, mas os dados ainda não foram enviados por todos para fazer com que “a engrenagem possa girar adequadamente”. Ele explica que o termo “pessoas politicamente expostas”, abrange todo o primeiro escalão do governo e pode incluir outros níveis de servidores, se a posição que ocupam for considerada estratégica. O trabalho está sendo coordenado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e Controladoria Geral da União (CGU). O secretário-executivo destaca que o trabalho é difícil também pela alta rotatividade de alguns cargos. “Estamos às vésperas de eleições e muitas peças do governo e Câmara podem ser trocadas e, portanto, o cadastro tem que ser alimentado diariamente”, diz.
Mas enquanto algumas ações avançam, outras continuam desafiando a capacidade do Estado brasileiro. O Brasil recebeu recomendação do Grupo de Ação Financeira (Gafi) – principal órgão no sistema internacional antilavagem de dinheiro, que congrega atualmente 34 países, além de diversas organizações internacionais observadoras – para que intensifique as ações de combate ao terrorismo e suas formas de financiamento, que ainda patinam no país. Para isso, o grupo recomenda a criação de uma plataforma de monitoramento de risco para esse tipo de criminalidade, que ainda terá que ser pensada e desenhada. Foi nesse cenário que a reunião da Enccla, em novembro passado, em Uberlândia (MG), definiu essa ação como a número 1.
Paralelamente a isso, a Enccla encaminhou para o Congresso proposta para inclusão do terrorismo e suas formas de financiamento no projeto de lei para reforma do Código Penal, com uma inédita tipificação desse tipo de crime. “O Senado disse que quer ver aprovada a proposta ainda este ano pela Comissão Especial de Reforma do Código Penal”, explicou Vaz de Mello.
Agenda estratégica
AÇÃO 1 – Instituir grupo permanente de avaliação de risco visando a elaborar relatório para identificar, avaliar e compreender os riscos de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo no país.
AÇÃO 2 – Apresentar propostas de aperfeiçoamento do PLS 236/2012 (novo Código Penal), especialmente sobre crimes contra a administração pública, a ordem econômica, tributária, financeira, terrorismo e seu financiamento e de lavagem de dinheiro.
AÇÃO 3 – Desenvolver com a Justiça Eleitoral, empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito o formato padronizado das respostas às requisições veiculadas com fundamento no art. 17-B da lei de Lavagem de Dinheiro.
AÇÃO 4 – Propor a regulamentação do artigo 7, inciso 1 da Lei 9613/98.
AÇÃO 5 – Propor a criação de órgão encarregado da administração dos bens submetidos a medida assecuratória.
AÇÃO 6 – Ampliar os mecanismos de combate ao suborno transnacional para adequação às obrigações internacionais, especialmente no âmbito da Convenção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
AÇÃO 7 – Implementar cadastro de Pessoas Expostas Politicamente (PEPs) com acesso público.
AÇÃO 8 – Propor a criação, nos órgãos de controle, de cadastro contendo informações relevantes acerca dos procedimentos licitatórios, especialmente de dados dos participantes, visando à detecção e à prevenção de fraudes.
AÇÃO 9 – Elaborar proposta de aperfeiçoamento dos meios operacionais de investigação nos crimes relacionados a lavagem de dinheiro e a corrupção.
AÇÃO 10 – Acompanhar a elaboração e respectiva tramitação das propostas legislativas sobre bloqueio administrativo de bens, em cumprimento às resoluções do Conselho de Segurança da ONU, e do instituto da extinção de domínio com vistas ao encaminhamento ao Congresso Nacional, bem como propor, analisar e acompanhar propostas legislativas que versem sobre os seguintes temas: (I) regulamentação do lobby; (II) conflito de interesses; (III) responsabilização de empresas por atos de corrupção; (IV) criminalização do enriquecimento ilícito; (V) ratificação da Convenção da OIT sobre o trabalhador migrante; e (VI) organizações criminosas.
AÇÃO 11 – Criar dispositivo legal que regulamente os cadastros de sanções administrativas, cíveis e penais e a obrigatoriedade de sua consulta, bem como definir requisitos de integração, aos cadastros, dos sistemas de gestão e controle.
AÇÃO 12 – Elaborar um protocolo interinstitucional de cumprimento da Lei 9.807/99, para maior efetividade e confiabilidade do sistema de proteção a testemunhas.
AÇÃO 13 – Disponibilizar um site para a Enccla e meios eletrônicos na internet para gerenciamento de suas ações e para interação entre os órgãos da entidade e com a sociedade.