O principal acusador da existência de corrupção no sistema de trens e metrô de São Paulo e do Distrito Federal, o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer, se beneficiou, para fazer a delação, de uma nova legislação que ficou em banho-maria durante sete anos no Congresso Nacional, e cuja tramitação foi apressada em 2013 pelo líder do governo no Senado.
Rheinheimer fez a agora chamada “colaboração premiada” na Polícia Federal no dia 14 de outubro, menos de um mês após o início da vigência da nova lei, em 20 de setembro. Ele aponta como recebedores de propina o secretário da Casa Civil de São Paulo, Edson Aparecido (PSDB), e o deputado federal Arnaldo Jardim (PPS-SP). Também diz terem havido “acordos financeiros” com os secretários estaduais e deputados federais licenciados José Aníbal (PSDB) e Rodrigo Garcia (DEM), e ainda com o deputado estadual Campos Machado (PTB). Todos negam irregularidades.
Até a entrada em vigor da nova legislação sobre organização criminosa, os denunciantes de cartel estavam protegidos - pela mais recente Lei do Cade, que entrou em vigor em maio de 2012 - de ser denunciados pelos crimes de formação de cartel, de fraude a licitação e de formação de quadrilha. Contudo, estavam completamente descobertos nos casos de corrupção, e poderiam ser julgados e condenados por esse crime.
Até então, autoridades policiais e do Ministério Público podiam oferecer aos denunciantes a possibilidade de uma delação premiada, mas os delatores tinham que negociar com o juiz do caso e só no final do processo saberiam os benefícios que obteriam por fazer a delação.
A lei 12.850, contudo, mudou o panorama. Desde sua vigência, os delegados de polícia e o Ministério Público podem negociar diretamente com os delatores os benefícios da colaboração premiada. “Essa lei oferece e garante sim mais segurança ao investigado ou réu colaborador”, afirma a advogada criminalista Beatriz Catta Preta.
Foi o que aconteceu entre a Polícia Federal e Reinheimer, que, no dia 14 de outubro, menos de um mês após a vigência da nova lei (em 20 de setembro), acusou os quatro políticos de terem recebido recursos pagos pela Siemens.
Não foi a única vez em que coincidiu o processo de denúncia da Siemens e seus ex-dirigentes com a tramitação da lei. Cinco meses antes da delação, em 17 de maio, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça, apresentou relatório pela aprovação da matéria. Cinco dias depois, em 22 de maio, a Siemens e o Cade assinariam o acordo de leniência.
Em 4 de julho, o Cade deflagraria a operação de busca e apreensão nas empresas denunciadas pela Siemens. Menos de uma semana depois, em 10 de julho, o projeto de lei seria aprovado na CCJ do Senado, passaria a tramitar em caráter de urgência e seria aprovado em plenário, tudo no mesmo dia. De lá, iria à sanção presidencial.
Defesa
O senador Eduardo Braga afirma que jamais ouviu falar do caso Siemens até que ele fosse noticiado pela imprensa e rechaçou qualquer ligação entre esse fato e a tramitação do projeto. “Se você esta querendo achar alguma conexão entre uma coisa e outra, não perca seu tempo. Não tinha nada a ver com isso. Nada! Nunca recebi nenhuma recomendação, nenhum pedido sobre esse projeto ou outra coisa de Siemens.”
Braga afirmou que o projeto passou a tramitar com mais rapidez no Senado por iniciativa não apenas dele, mas também de outros senadores, inclusive da oposição, em meio a dificuldades da CPI do Cachoeira, que se viu sem instrumentos legais para enquadrar a contravenção de jogos de azar como organização criminosa.
O senador também disse que outros projetos foram aprovados, como a nova lei de lavagem de dinheiro. A Siemens não quis comentar o assunto. Everton Rheinheimer não foi localizado.