Jornal Estado de Minas

Governo brasileiro enfrentou ano de impasses na política internacional

Para especialistas, Itamaraty precisa recuperar espaço no cenário internacional, após um 2013 cheio de desafios e crises. Chancelaria deve manter foco no comércio exterior

Gabriela Freire Valente
Brasília – À margem das prioridades da agenda da presidente Dilma Rousseff, as relações exteriores brasileiras enfrentaram, em 2013, importantes impasses diplomáticos. Entre a eleição do embaixador brasileiro Roberto Azevêdo para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), as denúncias de espionagem americana e a crise que culminou na retirada do então ministro Antonio Patriota do comando do Itamaraty, analistas consultados pela reportagem descreveram os últimos 12 meses como pouco felizes para a Casa de Rio Branco. Sob nova direção desde agosto passado - quando o ministro Luiz Alberto Figueiredo foi nomeado para chefiar a pasta de Relações Exteriores –, o Itamaraty terá no próximo ano o desafio de recuperar espaço no tabuleiro internacional.
Na opinião de Matias Spektor, especialista em relações internacionais pela Fundação Getulio Vargas (FGV), 2013 foi “horrível” para o Itamaraty, que teve de lidar com a queda de Patriota e com uma “bateria de denúncias” internas (leia a retrospectiva). Spektor espera uma postura defensiva da diplomacia no começo do próximo ano, mas acredita que Figueiredo está ciente da necessidade de rever métodos de gestão. “Em uma década, o número de diplomatas dobrou e a expansão no número de postos no exterior foi enorme. Os procedimentos ficaram defasados”, explica.

O próprio episódio que levou à queda de Patriota – no qual o encarregado de negócios brasileiro Eduardo Saboia decidiu trazer ao Brasil o senador boliviano Roger Pinto Molina, sem conhecimento do Itamaraty – foi considerado o ápice da frouxidão na chancelaria brasileira. “Isso evidenciou uma descoordenação interna no Itamaraty e, sobretudo, uma falta de liderança do seu ministro”, observa Luiz Augusto de Castro Neves, ex-embaixador e presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). A nomeação de Figueiredo, que mal assumiu o posto e teve de encarar as denúncias de espionagem norte-americana contra o Brasil, despertou esperanças de maior firmeza na condução da diplomacia. “Ainda é cedo para avaliarmos, mas tudo indica que ele terá mais liderança sobre a casa,e parece ter a admiração da presidente, o que é um requisito essencial”, afirma Castro Neves.

O presidente do Cebri pondera que um dos desafios para os próximos anos deve ser a ampliação do comércio exterior. Ele observa que o Brasil é “muito falante” em organismos internacionais, mas carece de participação mais significativa nas transações bilaterais. “O Brasil é responsável por 1,3% do comércio mundial, o mesmo de 20 anos atrás. Não houve crescimento. O Mercosul contribuiu muito pouco para a integração comercial regional, além de estar cheio de problemas e de barreiras”, aponta. Spektor e Castro Neves sustentam que o trunfo da diplomacia brasileira foi a eleição do embaixador Roberto Azevêdo para a direção-geral da OMC. “A campanha foi profissional, contou com recursos e coesão na Esplanada dos Ministérios, houve engajamento e uma estratégia clara de comunicação. É um modelo a ser estudado ereproduzido”, elogia o professor da FGV. Castro Neves, porém, salienta que Azevedo passou a ser um funcionário internacional, deixando de representar os interesses brasileiros.

FALTA DE ESTRATÉGIA Para William Smith, professor de estudos internacionais e especialista em Brasil pela Universidade de Miami, a ausência de uma estratégia clara do Itamaraty na busca pela liderança regional e em suas ambições são empecilhos para tornar o Brasil um ator global. Apesar de admitir o papel-chave do país na coordenação frente a desafios regionais, Smith avalia que as lideranças brasileiras não têm investido recursos políticos, diplomáticos e econômicos para aproveitar o “vácuo de poder parcial criado pela obsessão norte-americana com a guerra global contra o terrorismo”. O estudioso explica que, se antes o objetivo era usar a liderança na América Latina como “plataforma de lançamento” para o Brasil, hoje cresce a percepção de que vizinhos latino-americanos limitam a capacidade do país de se destacar na política internacional. Tal visão, segundo Smith, implicaria busca por uma relação mais madura com os EUA e uma aproximação com a União Europeia, “contrariando o Mercosul”. “O risco dessa mudança seria o Brasil ficar como um líder sem seguidores”, analisa.

Retrospectiva

Escândalos e mudanças

Principais acontecimentos no ano para a diplomacia brasileira:

» 21/2 - Os servidores do Itamaraty protestaram contra casos de assédio moral no órgão.

» 2/3 - A revelação de que a cúpula da chancelaria brasileira recebia salários maiores que o da presidente da República e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ultrapassando, por vezes, o teto constitucional, provocou reação de políticos e representantes da sociedade civil.

» 18/4 - Denúncia do caso de que pelo menos 17 diplomatas recebiam altos salários sem dar expediente.

» 7/5 - O diplomata brasileiro Roberto Azevêdo é eleito para a direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), tornando-se o primeiro latino-americano a comandar o órgão.

» 6/6 - O Itamaraty comemorou a soltura de torcedores do Corinthians presos na Bolívia sob suspeita da morte do jovem Kevin Espada, de 14 anos, durante um jogo pela Taça Libertadores.

» 7/7 - Edward Snowden revela documentos denunciando que a Agência de Segurança Nacional (NSA) dos EUA rastreou telefonemas e e-mails de cidadãos e de empresas baseados no Brasil. O então representante dos EUA no Brasil Thomas Shannon foi convocado a prestar esclarecimentos ao Itamaraty.

» 7/8 - O Tribunal de Contas da União (TCU) determinou o corte dos supersalários pagos pelo Itamaraty e o ajuste ao teto constitucional (R$ 28 mil) em um prazo de 60 dias.

» 23/8 - O então encarregado de negócios do Brasil em La Paz Eduardo Saboia deixou a Bolívia na companhia do senador boliviano Roger Pinto Molina, opositor ao presidente Evo Morales e que ficou abrigado por cerca de 15 meses na representação brasileira no país. A operação foi realizada sem que La Paz concedesse salvo-conduto a Molina e, supostamente, sem conhecimento do Itamaraty.

» 26/8 - O então ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota pediu demissão em decorrência do caso envolvendo o senador boliviano.

» 28/8 - Luiz Alberto Figueiredo, representante brasileiro na ONU, assumiu o comando do Itamaraty.

» 1º/9 - Documentos vazados por Snowden mostraram que os principais assessores da presidente Dilma foram espionados pela NSA.

» 8/9 - Novas denúncias indicaram que a Petrobras teria sido alvo do monitoramento.

» 17/9 - Dilma Rousseff anunciou o cancelamento da visita de Estado que faria aos Estados Unidos.

» 25/9 - A presidente condenou a espionagem norte-americana durante discurso na abertura da 68ª Assembleia Geral da ONU, e defendeu regulação da internet.

» 10/10 - Dilma pediu ao Itamaraty que interviesse pela bióloga brasileira Ana Paula Maciel, presa na Rússia após integrar protesto da organização Greenpeace contra a exploração de petróleo no Ártico.

» 18/12 - A Assembleia Geral da ONU aprovou, por unanimidade, a proposta de Brasil e Alemanha que estende a sites da internet o direito à privacidade previsto na Declaração Internacional dos Direitos.

» 20/12 - Brasil tem participação confirmada na conferência de paz Genebra 2, marcada para 22 de janeiro, cujo objetivo será negociar o fim da guerra civil na Síria.