A fidelidade partidária deve ser aplicada apenas a políticos eleitos pelo voto proporcional – ou seja, deputados estaduais e federais e vereadores. Esse é o entendimento da Procuradoria Geral da República, que ajuizou, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma ação para declarar a inconstitucionalidade de dois artigos da Resolução 22.610/08 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determina a perda de mandato de quem trocar de partido, mesmo que seja prefeito, senador, governador ou presidente da República. Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que assina a ação, na eleição majoritária o eleitor direciona seu voto ao candidato, e não ao partido, como na disputa proporcional.
Na ação de 13 páginas, encaminhada ao STF no dia 10, Janot argumenta que o sistema eleitoral brasileiro não obriga que suplentes ou vices sejam do mesmo partido do titular do cargo. “Repare-se que a perda de mandado de senador beneficia seu suplente, que, segundo as regras em vigor, nem sequer precisa ser do partido originário do eleito. No caso da Presidência da República tem-se, hoje mesmo, exemplo de vice-presidente que não é da mesma agremiação da chefe do Executivo”, afirmou, referindo-se à presidente Dilma Rousseff (PT) e ao seu vice, Michel Temer (PMDB). “Se o objetivo da Resolução 22.610 é o de devolver o mandato ao partido em caso de infidelidade, tal solução dificilmente será alcançada, uma vez que não existe, no Brasil, chapas puro-sangue”, continuou o procurador.
Embora o assunto já tenha sido discutido no STF em duas outras ações – uma de autoria do PSC e outra da própria PGR –, ambas relatadas pelo ministro Joaquim Barbosa, Janot lembrou que desta vez trata-se de questões diferentes. Nos processos anteriores foi questionada a legitimidade do TSE em editar normas regulamentando as eleições. O argumento, no entanto, não convenceu o ministro, que considerou constitucional o ato do TSE. Ele lembrou ainda que, ao julgar três mandados de segurança, o Supremo entendeu que o mandato de deputado pertence ao partido, o que dava à legenda o direito de pleitear a vaga em caso de desfiliação. A exceção é em caso de desvio de orientação ideológica do partido ou a filiação a partido criado posteriormente à eleição.
Barbosa argumentou que os três mandados de segurança já julgados pelos ministros do Supremo diziam respeito a vagas de deputados federais e que o voto dos ministros foi no sentido de que “ninguém chega ao poder estatal de caráter eletivo-popular sem a formal participação de uma agremiação política. O que traduz a formação de um vínculo necessário entre os partidos políticos e o nosso regime representativo”. No entanto, na avaliação de Rodrigo Janot, a tese não pode ser aplicada a cargos políticos do Executivo ou Senado, até porque a decisão do Supremo foi baseada em uma discussão da eleição proporcional.
Dois artigos são questionados na ação: o 10 e o 13. O primeiro deles determina que, decretada a perda do mandato, cabe ao presidente do Legislativo empossar o “suplente” e o “vice”. O Ministério Público Federal quer que sejam retiradas as duas expressões do texto, para evitar a interpretação de perda da cadeira por senadores e eleitos para cargos majoritários. Já o segundo artigo determina que a regra seja aplicada a partir de 16 de outubro de 2008 para eleitos pelo sistema majoritário – trecho que o MPF quer que seja declarado inconstitucional. O ministro Roberto Barroso será o relator da ação. Se acatados todos os pedidos formulados por Janot, a regra será aplicada apenas para casos que surgirem depois do julgamento da ação.
O que diz a lei
Resolução 22.610/08
Artigo 10 – Julgando procedente o pedido, o tribunal decretará a perda do cargo, comunicando a decisão ao presidente do órgão legislativo competente para que emposse, conforme o caso, o suplente ou o vice, no prazo de 10 (dez) dias.
Artigo 13 – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação, aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema proporcional, e, após 16 de outubro corrente, quanto a eleitos pelo sistema majoritário.