As compras feitas pelas 853 prefeituras mineiras e respectivas câmaras municipais, além dos órgãos do governo do estado, estão na mira do Tribunal de Contas de Minas Gerais, que instituiu uma espécie de malha fina para fiscalizar as licitações e contratos feitos com dinheiro público. Isso ocorre por meio de um sistema que vem sendo elaborado há cerca de três anos e já entrou em funcionamento. Assim que são emitidas as notas de compra, ele permite comparar instantaneamente os preços praticados nos municípios com um banco de dados de cotações do mercado para os itens comercializados. A partir daí, emite-se um alerta para os possíveis casos de superfaturamento.
O TCE tem acesso às notas fiscais das prefeituras, que são fornecidas em banco de dados pela Secretaria de Estado da Fazenda. Em paralelo a isso, o órgão vem cadastrando em seu sistema todos os produtos que geralmente são comprados em grande escala pelo estado e pelas prefeituras, principalmente aqueles que usualmente eram alvo de desvio de verba pública. Na área de medicamentos, por exemplo, o TCE fez um cadastro com todos os remédios, informando a variação normal de preço. Tudo que está muito acima ou muito abaixo disso é considerado um desvio e gera o alerta vermelho para a atuação do TCE. O sistema funciona on-line, assim que são emitidas as notas, elas já são cruzadas com os preços, permitindo a atuação preventiva.
De acordo com o vice-presidente do TCE, conselheiro Sebastião Helvécio, o tribunal fiscaliza uma receita de cerca de R$ 85 bilhões relativa a 3.342 jurisdicionados. Por isso, a necessidade do sistema apelidado de suricato. “A ideia é a gente ser sentinela. O que queremos é impedir que aconteça o desvio, na medida em que o gestor sabe que está sendo fiscalizado em tempo real. Renunciamos à intuição para recorrer a um sistema, e a grande diferença é que se pega o erro no momento em que ele ocorre”, explicou.
Em julho foi feito o primeiro cruzamento de dados. São cerca de 5 milhões de notas avaliadas em mais ou menos 250 milhões de dados pesquisados. “Nossa expectativa é, só com essa gestão das notas, impedir o desperdício e a fraude em cerca de R$ 3,4 bilhões (4% do valor fiscalizado)”, estimou o conselheiro. No caso dos medicamentos, segundo Helvécio, os laboratórios estavam oferecendo descontos muito grandes, da ordem de 78%, e foi verificado que os produtos estavam prestes a vencer, o que faria a compra barata ficar cara. De acordo com o vice-presidente do TCE, em uma conta de R$ 450 milhões neste caso, a economia com atuação preventiva foi de cerca de R$ 45 milhões.
O suricato, que é interno, está sendo desenvolvido em conjunto com um sistema de controle de contas que o TCE pretende tornar público à população. Nele estariam disponíveis todos os contratos, convênios e licitações das prefeituras e câmaras, que vêm sendo encaminhados desde o ano passado ao tribunal. A expectativa é colocar o sistema no ar no ano que vem, de modo que qualquer cidadão poderá consultar as contas de sua cidade e ajudar na fiscalização de obras e serviços. “Deste modo, também vai haver fiscalização da população. É a transparência total”, afirmou o corregedor do TCE conselheiro Cláudio Terrão.
De acordo com ele, as informações estão sendo recepcionadas e os técnicos do TCE estão criando a infraestrutura de consultas. O conselheiro não soube informar quanto custou a produção dos novos sistemas, mas garantiu que o custo foi reduzido pelo uso de mão de obra interna. “O mais importante é o efeito inibidor que o sistema promove. Essa conta da contenção dos desvios é invisível, o que dá a impressão que os resultados obtidos pelo TCE são poucos em relação ao seu orçamento”, justificou.
Sempre alerta
Suricatos, os animais que deram nome ao programa de fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, são mamíferos da família dos mangustos. Eles vivem em bandos e habitam algumas das áreas mais inóspitas do planeta. Apesar de pequenos (medem 30 centímetros de altura), são animais valentes e enfrentam até cobras. Os suricatos se dividem na tarefa de patrulhar as tocas. Um grupo está sempre de guarda enquanto os outros dormem ou procuram alimentos.
Prejuízos crescem 61% no ano
Até setembro, as irregularidades cometidas pelos municípios mineiros em licitações geraram um prejuízo de R$ 24,8 milhões aos cofres públicos. No balanço do ano, o número deve incluir outros R$ 10,8 milhões, cujos procedimentos de investigação ainda estão em andamento, somando R$ 35,6 milhões. O número é 61% maior do que o apurado em 2012, quando foram desviados R$ 21,9 milhões. A sangria costuma ser sem volta. Somente entre 4% e 8% dos recursos perdidos com fraudes ou erros são recuperados, segundo o próprio TCE, que por este motivo tenta investir em prevenção.
A dificuldade, segundo o procurador-geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Glaydson Massaria, é que os responsáveis pelos desvios costumam não ter recursos suficientes em seus nomes para devolver ao erário. %u201CEntão, o que a gente tem que fazer é não deixar que ocorra ou agir na mesma hora%u201D, explicou. É o caso dos R$ 122,9 milhões em licitações suspensas este ano por irregularidades em 104 procedimentos. Neles, o TCE faz recomendações e enquanto as correções não são efetivadas as concorrências não podem ter seguimento.
A maior parte do prejuízo aos cofres públicos apurada este ano deveu-se a um esquema de venda de precatórios desmontado pela Polícia Federal na Operação Violência Invisível. A organização criminosa atuou em 100 municípios do país, e Minas Gerais foi um dos focos. O maior rombo ocorreu em Montes Claros, no Norte de Minas, onde foi apurado um prejuízo aos cofres públicos de pouco mais de R$ 20 milhões. A licitação era para adquirir créditos em precatórios. Além dos erros formais, foi constatado favorecimento à empresa Digicorp Consultoria e Sistemas, que venceu o certame.
Ocorre que a própria Receita Federal avisa em seu site que não aceita compensar créditos do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) com precatórios de terceiros. Mesmo assim, a Procuradoria de Montes Claros deu aval para a licitação e a concorrência seguiu. A administração municipal passou a remunerar a Digicorp mediante protocolos de compensação junto à Receita e depois os procedimentos não eram homologados. O dano se refere ao valor dos créditos precatórios adquiridos e a multa. Além do prefeito à época, Tadeu Leite (PMDB), foram acionados o procurador-geral do município, Noélio de Oliveira, e os responsáveis pela Comissão de Licitação.
O mesmo golpe ocorreu em Capelinha, com prejuízo de R$ 4,5 milhões, e está sendo apurado em Janaúba, onde o dano é estimado em R$ 2,4 milhões, e em Caratinga, mais R$ 7,8 milhões. Todos tratam da aquisição de precatórios federais que seriam usados para compensar o INSS patronal devido pelas prefeituras.
Outra grande operação, a Máscara da Sanida
de, deflagrada em maio, contabiliza outros prejuízos. Investigação em parceria com o Tribunal de Contas encontrou prejuízo em municípios como Campo Azul, Francisco Sá, Januária, Josenópolis, Pedras de Maria da Cruz e São João das Missões. Esses relatórios apontam irregularidades em várias obras, como construção de escolas, quadras esportivas e postos de saúde. (JC)
DESVIOS
R$ 35,6 milhões
Projeção de prejuízos registrados em 2013 devido a irregularidades cometidas por municípios de Minas Gerais em licitações
8%
Percentual máximo de recursos públicos perdidos com fraudes que as autoridades conseguem recuperar
R$ 122,9 milhões
Valores envolvidos em licitações suspensas este ano por irregularidades em cidades mineiras, em 104 procedimentos