Jornal Estado de Minas

Comissão da Verdade se aproxima do relatório final

Comissão que investiga histórias de tortura durante o regime militar no Brasil quer definir no primeiro trimestre recomendações que serão incluídas no relatório final

Marcelo da Fonseca
Centro de tortura usado pelos militares em Petrópolis só foi descoberto em 1979, quando um dos torturados escapou e denunciou as atrocidades - Foto: Custódio Coimbra/Divulgação
O centro de tortura que ficou conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis, as violações de direitos humanos no combate à Guerrilha do Araguaia e o caso Riocentro, em que militares da linha dura do Exército planejaram um atentado durante as comemorações do Dia do Trabalho na capital fluminense, serão os principais temas de trabalho da Comissão da Verdade (CNV) no primeiro trimestre deste ano. Em audiências públicas marcadas para a partir de fevereiro, os integrantes da comissão pretendem usar os encontros para definir as recomendações que serão incluídas no relatório final sobre os casos. Também estão previstas reuniões com comissões estaduais e entidades que participam das apurações dos fatos que ocorreram durante o período, para avançar na conclusão de pesquisas que serão usadas na produção do relatório.
O centro clandestino de tortura que funcionou durante parte do regime militar em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, é um dos temas ainda obscuros do período e envolve denúncias graves de crimes contra os direitos humanos. Mesmo com os testemunhos que confirmaram nomes de presos políticos levados para o local, até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas foram mantidas presas e assassinadas no centro, conhecido como Casa da Morte. Segundo assessores da CNV, em 2013 foram levantadas novas informações sobre o funcionamento da repressão no local, que serão mantidas em sigilo até o fim das apurações.

A casa deve ser um dos lugares apontados pelo grupo para ser transformado em um centro de memória em homenagem a vítimas da ditadura, como indicou na semana passada Rosa Cardoso, uma das integrantes da comissão. “Estamos fazendo visitas aos principais centros de tortura no país e vamos, em relação a alguns deles, recomendar que se tornem memoriais, museus, estabelecer alguma atividade relacionada à expansão da democracia”, explicou Rosa. No ano passado a Prefeitura de Petrópolis anunciou que tornará de utilidade pública o imóvel, atendendo a uma reivindicação da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro e da OAB-RJ.

OUTROS TEMAS Com o prazo de trabalho estendido até o fim deste ano, a comissão também deve promover audiências públicas nos próximos meses para levar ao público discussões sobre a Guerrilha do Araguaia e o caso Riocentro, temas que vêm sendo investigados por grupos de trabalho da comissão. “Temos que fazer ainda algumas grandes audiências que vão ser bastante pedagógicas para a sociedade e que vão nos possibilitar fazer relatos bastante minuciosos”, avalia Rosa Cardoso. Nos dois casos, já foram divulgados textos e relatórios sobre o que foi apurado até agora, mas a comissão poderá ouvir mais pessoas envolvidas até o segundo semestre.

Um ano de divergências

A comissão, que tomou posse em maio de 2013, passou por turbulências internas em 2013, quando os integrantes do grupo discordaram sobre a condução dos trabalho e a divulgação dos resultados já obtidos. Ainda no primeiro semestre, alguns integrantes defenderam que a comissão deveria trabalhar em silêncio e apresentar as conclusões somente no relatório final, outros preferiram uma abertura maior sobre o que estava sendo investigado e a ampliação das discussões públicas sobre as apurações.

Em junho, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles decidiu deixar o cargo de membro da comissão alegando motivos pessoais. Mesmo com pedidos dos demais integrantes para que ele reconsiderasse a decisão, Fonteles afirmou que a posição era irreversível e enviou o pedido de renúncia à presidente Dilma Rousseff (PT). Ele procurou minimizar as divergências internas ao comentar sua saída e explicou que os integrantes que tinham a ideia de restringir a divulgação dos resultados já tinham se convencido de que esse método não seria o melhor para o país.

DEMORA O grupo também foi criticado em 2013 por acadêmicos e políticos, que avaliaram que a comissão não revelou nenhuma novidade ao longo do primeiro ano de trabalho. O principal questionamento seria em relação à identificação de quem, e a mando de quem, foram os responsáveis pelas mortes, torturas e desaparecimentos durante o período. “As comissões menores estão apresentando resultados mais concretos. A comissão de Pernambuco, do Rio Grande do Sul e outros estados já avançaram muito e chegaram a identificar os responsáveis”, apontou a deputada federal Luiza Erundina, durante lançamento do acervo Brasil Nunca Mais Digital, em agosto.