Com a identificação e mapeamento dos locais onde os militantes da capital mineira combateram a ditadura militar (1964-1985), a Empresa de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) finaliza a elaboração de um roteiro de resistência ao regime. Os mapas com o roteiro, que serão distribuídos pela prefeitura, ficarão prontos, segundo o presidente da Belotur, Mauro Werkema, antes de 31 de março, data emblemática, quando o golpe militar completará 50 anos.
A Belotur está elaborando novos roteiros turísticos da cidade e serão incluídos lugares chamados “de memória”. Dentro desse tópico será aberto um item com os locais de resistência. O presidente da Belotur não revela quais serão todos os pontos e ressalta que é preciso cuidado para não melindrar setores da sociedade, como os militares. “Estamos com o texto formulado, mas estamos consultando pessoas. O prefeito (Marcio Lacerda) alertou que é preciso cuidado. Faremos um texto responsável, mas que seja verdadeiro”, afirma Werkema. Segundo ele, o texto já foi enviado para a Comissão da Verdade de Minas Gerais e está com a socióloga Maria Celina Pinto Albano, uma das sete integrantes do grupo.
Prédios da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), como o Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina, na Avenida Alfredo Balena; a Faculdade de Direito, na Avenida Álvares Cabral; a antiga Fafich, na Rua Carangola; o antigo Centro Cultural do DCE (onde hoje funciona o cinema Belas Artes, na Rua Gonçalves Dias); e o DCE, na Rua Guajajaras, foram palcos de resistência dos estudantes e também de atentados a bomba e farão parte do circuito turístico.
A casa do ex-prefeito Célio de Castro (1932-2008), no Alto Barroca, alvo de bomba em abril de 1987, também é listada pela Belotur. O mesmo ocorre com a Casa do Jornalista, sede do sindicato da categoria, atacada em junho de 1980. Além da bomba, a parede foi pichada com uma ameaça à “imprensa comunista”.
Uma casa simples na Rua Itacarambi, no Bairro São Geraldo, deve ser um dos locais mais polêmicos do roteiro. Lá funcionava um aparelho (jargão para designar o esconderijo dos grupos de resistência) do Comando de Libertação Nacional (Colina), grupo em que a presidente Dilma Rousseff (PT) militava à época. O aparelho ficou famoso, pois policiais do Dops e da Delegacia de Furtos e Roubos estouraram o portão e entraram atirando. Os militantes responderam no mesmo tom e dois policiais morreram.
Dilma, que atuava nos bastidores articulando o movimento estudantil, não estava na casa nem participava de ações armadas, mas, naquele dia, sete integrantes do seu grupo – Jorge Nahas, Maria José Nahas, Afonso Celso Lana Leite, Murilo Pinto da Silva, Júlio Bitencourt, Nilo Sérgio Macedo e Maurício Paiva – foram presos e a organização começou a se desfazer. Eles haviam acabado de assaltar uma agência do Banco da Lavoura, em Sabará, e foram pegos no esconderijo. O assalto era chamado pelos militantes de “ato de expropriação” para arrecadar dinheiro para combater a ditadura. No dia seguinte à queda do aparelho do Bairro São Geraldo, Dilma e o marido, Cláudio Galeno, fugiram do apartamento 1.001 no Edifício Solar, na Avenida João Pinheiro, na Região Central da cidade. O edifício, entretanto, não fará parte do roteiro, segundo Werkema.
INSPIRAÇÃO Locais com apelo histórico e ligados às lutas populares são destaques em várias cidades do mundo. Na selva boliviana, é recorrente grupos de turistas visitarem pontos do foco guerrilheiro instalado no país que, em 1967, levou à morte Che Guevara, o revolucionário argentino. Os vestígios do Muro de Berlim, que separava a Alemanha comunista da capitalista e foi derrubado em 1989, seguem atraindo pessoas de todo o mundo.
Uma das inspirações para o roteiro belo-horizontino veio do Recife. Na capital pernambucana, a prefeitura já promoveu passeios de bicicleta por locais como a Casa da Cultura, construída em 1850, na época Penitenciária do Estado, local em que os presos políticos foram mantidos durante a ditadura militar, e o Palácio do Campo das Princesas, onde o então governador Miguel Arraes recebeu voz de prisão nas primeiras horas do golpe de 1964, sendo deposto pelos militares.
A Associação dos Amigos do Memorial da Anistia do Brasil, presidida por Cristina Rodrigues, bate na tecla há seis anos, quando começou a definir os locais de resistência em Belo Horizonte. Em agosto do ano passado, a associação entregou um ofício ao prefeito Marcio Lacerda (PSB), que repassou a tarefa à Belotur. A associação mapeou 42 locais, porém, segundo Cristina, o objetivo era conseguir deixar um símbolo, como uma escultura, em pelo menos 12 locais neste ano. O projeto da associação foi batizado de Trilhas da Democracia, mas Cristina lamenta que a associação não esteja participando da discussão do roteiro elaborado pela Belotur.
A lista preparada pela associação inclui, além de todos os pontos citados por Werkema, locais como a casa de dona Helena Greco e as sedes dos jornais Em Tempo, De Fato e Binômio. Há também a escadaria da Igreja São José, o Edifício Malleta, a Praça Sete, a Praça da Estação, o Colégio Estadual Central, o Convento dos Dominicanos, o extinto Bar Buchecho e outros lugares.
Apesar de não aprovar a maneira como o roteiro é feito, Cristina destaca a relevância da iniciativa, que mostrará que o processo de redemocratização no Brasil foi fruto de luta, sofrimento e mortes. “A juventude está ociosa e ansiosa de novos modelos de comportamento ligados às questões do amor, solidariedade e amizade”, reflete. “O objetivo da divulgação desses lugares é o que sempre desejamos: uma sociedade justa, igualitária e sem preconceito”, afirma Cristina.