No mesmo dia em que a Justiça da Itália rejeitou pedido de liberdade do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o governo brasileiro anunciou nessa sexta-feira ter dado o primeiro passo para pedir ao país europeu a extradição do foragido, condenado no processo do mensalão. O processo, entretanto, começou com batida de cabeça entre o Executivo e o Judiciário. Na quinta-feira, o Ministério da Justiça enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) aviso para dar ciência à Corte da abertura do prazo de 40 dias para que ela “manifeste interesse na instalação da extradição e encaminhe os documentos necessários” para formalização do pedido ao governo da Itália.
Em resposta, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, alertou ontem que “não cabe ao Supremo nenhum papel ativo nesse processo de extradição”. Na avaliação do ministro, a extradição é uma atribuição exclusiva do governo, uma vez que já há prisão decretada contra o condenado no julgamento do mensalão. No início da noite, a pasta respondeu que, apesar de não ser praxe nesse tipo de caso, fará o pedido, auxiliado pela Procuradoria Geral da República.
O prazo de 40 dias para o envio da solicitação de extradição foi estabelecido em tratado assinado em 1989 entre Brasil e Itália. Vencido o período sem a formalização do pedido, o detido pode ser liberado. Como Pizzolato tem cidadania italiana, caberá à Itália decidir sobre o envio do ex-diretor do BB ao Brasil, já que o país europeu não é obrigado a extraditar seus cidadãos.
Também ontem, a Justiça italiana negou pedido da defesa de Pizzolato para que pemanecesse em liberdade durante a tramitação do processo de extradição. A argumentação da Corte foi que havia risco de fuga. O executivo foi condenado a 12 anos e 7 meses de prisão no processo do mensalão. Foragido desde novembro, ele foi detido quarta-feira na casa de um sobrinho na cidade de Maranello, na Itália, portando um passaporte em nome de Celso, seu irmão morto há 35 anos. A fuga do Brasil ocorreu em setembro, antes da expedição do pedido de prisão pela Justiça brasileira. Pizzolato cruzou por terra fronteira com a Argentina e, de Buenos Aires, voou para a Europa.
A Polícia Federal brasileira reitera que a prisão feita pelas autoridades italianas não ocorreu pelo uso de documentos falsos, mas "para fins de extradição", atendendo ao pedido do Brasil. De qualquer forma, Pizzolato vai responder pelo crime de falsidade ideológica no Brasil e na Itália. A pena pode chegar a três anos de prisão. Na hipótese de o STF acatar o pedido de extradição, será expedido ofício ao Ministério da Justiça para prosseguimento ao processo de retorno de Pizzolato ao Brasil.
O ex-diretor do BB falou ontem por cerca de 30 minutos à Corte de Apelação de Bolonha (Norte da Itália), instância onde tramitará a ação com o objetivo de extraditá-lo para o cumprimento da pena decidida pelo STF. Em italiano, ele afirmou que havia sido condenado em um processo político no Brasil. As autoridades consideraram que, em razão da fuga do Brasil e dos documentos falsos encontrados no momento da prisão, não haveria possibilidade de permitir nem liberdade condicional nem prisão domiciliar.
Revisão O advogado de Pizzolato, Lorenzo Bergami, acredita que ainda poderá apresentar nos próximos dias pedido de revisão da decisão de manter seu cliente na prisão. Após a audiência, o ex-diretor do BB retornou à penitenciária de Módena, capital da província de mesmo nome, onde fica Maranello. Lá, ele dividirá cela com outros presos, não terá direito a telefone celular e terá autorização para receber visitas em seis a oito ocasiões por mês. No depoimento, Pizzolato, que usou algemas durante o trajeto para a Corte, vestia apenas uma calça jeans e uma camisa.
Na quinta-feira, pela primeira vez, a polícia italiana deixou claro que existem "possibilidades legais concretas" para a extradição de Pizzolato ao Brasil, mesmo diante do fato de o ex-diretor do BB ter nacionalidade italiana. A defesa do brasileiro acredita que a decisão sobre a extradição saia apenas no fim do semestre. No processo do mensalão, a condenação de Pizzolato foi pelos crimes de peculato, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O ex-diretor do BB foi condenado por participação no desvio de R$ 73 milhões do Fundo Visanet, que teria alimentado o esquema de pagamento de propinas a deputados federais em troca de apoio a projetos de interesse do Palácio do Planalto no primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. (Com agências)
Falhas
A fuga de Henrique Pizzolato para a Itália após ser condenado no processo do mensalão é apenas mais um capítulo nas crônicas falhas de segurança que permitem a foragidos da Justiça deixarem o país sem serem impedidos. A ausência de uma base de dados centralizada permite que um criminoso cometa um crime em um local, mude de estado e tire uma nova carteira de identidade em outra unidade de Federação. Com ela em mãos, basta tirar um passaporte com o documento falso e sair do país sem ser incomodado pelas autoridades brasileiras. O caso específico de Pizzolato expõe ainda outra fragilidade. Quando deixou a Argentina rumo à Itália, o ex-diretor de marketing do Banco do Brasil foi obrigado a colher as impressões digitais, que foram encaminhadas à Interpol. Os dados foram repassados ao Instituto Nacional de Identificação, ligado à Polícia Federal, que constatou que o turista era Henrique e não Celso Pizzolato.