Isabella Souto
A uma semana do fim do ano legislativo em dezembro, a Comissão Mista de Regulamentação da Constituição – composta de deputados federais e senadores – apresentou projeto de lei que define 25 parcelas indenizatórias que podem ser pagas no serviço público federal acima do teto salarial estabelecido pela Constituição. Na prática, a matéria vai permitir que os contracheques ultrapassem R$ 29.462,25, valor que equivale ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e foi adotado como quantia máxima a ser paga no poder público em todo o país.
Os parlamentares, no entanto, foram além, e incluíram outras verbas, como o auxílio-doença, auxílio-acidente, auxílio-natalidade, ressarcimento de despesas médicas e odontológicas, salário-família e até o auxílio fardamento – verba destinada aos militares para o custeio da farda. Na justificativa do projeto, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que preside a comissão, alega que a questão é “controversa e sensível” e tem que ser tratada sob a perspectiva da “moralidade pública” e o respeito à “complexidade” das atribuições dos agentes públicos.
“A política remuneratória deve ser tal que respeite a complexidade e a responsabilidade das atribuições dos agentes públicos, além de atentar para a necessidade de atrair profissionais que sejam, ao mesmo tempo, talentosos e vocacionados para atuar no Estado, submetendo-se a todas as restrições que lhe são inerentes”, traz a justificativa do projeto. Além das 25 parcelas elencadas na matéria, ainda há um inciso que abre brechas para a inclusão posterior de outros benefícios.
Isso porque o inciso diz que poderão surgir outras “parcelas indenizatórias previstas em leis específicas”. O senador peemedebista alega que o trecho foi colocado porque o projeto não tem a pretensão de ser uma “lista exaustiva” de todas as modalidades de verbas indenizatórias existentes. Sobre o argumento de que seria mantida a dúvida sobre quais parcelas ficariam de fora da aplicação do teto, o parlamentar foi taxativo. “O projeto assevera, em seu artigo 2º, que o essencial para definir se determinada parcela é indenizatória não é sua denominação, mas sua natureza jurídica”.
O projeto foi apresentado em 10 de dezembro à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. No dia 12, foi encaminhado à Coordenação de Comissões Permanentes e no dia seguinte publicado no Diário Oficial da União.
Justiça
Aprovada em dezembro de 2003, a Reforma da Previdência criou o teto salarial a ser aplicado no serviço público. Pouco depois, foram milhares as ações judiciais de servidores com contracheque com valores superiores – em todas elas alegando o princípio do direito adquirido para não sofrer cortes no bolso. Os tribunais de Justiça concederam várias liminares acatando a tese, mas elas logo foram derrubadas pelo STF, que determinou o abate-teto nos altos salários. Ficou então a dúvida: benefícios e adicionais conquistados ao longo de uma carreira estariam assegurados? Penduricalhos recebidos por ocupantes de cargos eletivos seriam contabilizados no cálculo do teto?
As respostas começaram a vir em 2006, durante o julgamento do Mandado de Segurança 24.875, ajuizado dois anos antes por quatro ex-ministros do STF: Djaci Alves Falcão, Francisco Manoel Xavier de Albuquerque, Luiz Rafael Mayer e Oscar Dias Corrêa. Eles pediram a declaração de inconstitucionalidade de dois artigos da emenda constitucional que tratou da Reforma da Previdência e incluíram as vantagens pessoais e o adicional por tempo de serviço no cômputo do teto dos servidores públicos. Também queriam o reconhecimento de violação ao chamado direito adquirido.
Durante a sessão de julgamento, os ministros entenderam que é constitucional a limitação do vencimento do servidor público – ou seja, não adiantaria argumentar a tese do direito adquirido para impedir um corte no salário. Por unanimidade, os magistrados decidiram ainda que os valores pagos referentes a adicionais por tempo de serviço (biênios, quinquênios e trintenário) devem ser incluídos no cálculo do subsídio para efeito de teto.
As vantagens pessoais foram motivo de divergência entre os ministros. Pelo apertado placar de seis votos a cinco, venceu a tese de que as vantagens pessoais deveriam ser mantidas sob o argumento da irredutibilidade dos vencimentos. Faltou então, a aprovação pelo Congresso Nacional de uma legislação estabelecendo quais verbas indenizatórias estariam de fora da aplicação do teto.