O governo de Minas estuda a possibilidade de impedir que pessoas indiciadas por crimes praticados nas manifestações de 2013 possam participar de protestos em 2014, sobretudo durante a Copa do Mundo. Segundo o secretário estadual de Defesa Social, Rômulo Ferraz, a Polícia Civil poderá pedir à Justiça a prisão preventiva de suspeitos pouco antes de os eventos ocorrerem. Ele diz que a morte do cinegrafista Santiago Andrade estimula as autoridades a tomar medidas mais enérgicas para evitar novos casos de violência.
“Até então, não tinha havido a morte de um inocente. A repercussão desse episódio vai facilitar a articulação por parte das autoridades, para que tenhamos uma Copa mais tranquila. Vai haver uma reflexão maior por parte das forças policiais, para que haja um trabalho de inteligência e de prevenção”, disse o secretário. Ele criticou o apoio dado por alguns “segmentos” a atos violentos durante os protestos, mas não especificou quais são esses segmentos. “Essa morte vai deixar algumas lições, porque determinados segmentos vinham incentivando essas manifestações, que foram evoluindo em seu grau de agressividade”, acrescentou.
O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Adilson Rocha, avalia que a polícia poderia pedir a prisão preventiva dos indiciados alegando a garantia da ordem pública, mas precisaria cumprir alguns requisitos. “De acordo com a legislação, é preciso haver a comprovação material do crime e indícios de sua autoria”, explica. Além disso, é necessário apresentar evidências de que os suspeitos não apenas pretendem participar de novas manifestações, como também praticar delitos. “A polícia tem que comprovar a possibilidade concreta de eles retornarem à atividade criminosa”, acrescenta.
FLAGRANTE Rocha avalia que a polícia tem falhado em realizar prisões em flagrante durante as manifestações. “A imprensa mostra grupos de pessoas danificando o patrimônio público, o particular, agredindo pessoas, e a polícia tem que intervir e prender esses bandidos”, aponta. Por outro lado, Ferraz diz que a legislação criminal dificultou que adultos presos continuassem sob custódia da polícia. “Eles ficaram alguns dias detidos, mas infelizmente são soltos, porque a legislação dificulta muito a prisão nesses casos meramente de dano. Precisamos adaptar a legislação”, avalia o secretário.
A Polícia Civil já havia encaminhado à Justiça o pedido de indiciamento de 72 adultos por crimes cometidos nas manifestações ocorridas em junho de 2013 em Belo Horizonte. Segundo a corporação, eles cometeram furto, roubo, incêndio, formação de quadrilha, dano ao patrimônio, lesão corporal, pichação ou corrupção de menores. O cumprimento de mandados de busca e apreensão expedidos pelo Juizado da Infância e da Juventude resultou na apreensão de 33 adolescentes, para cumprimento de medidas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Proteção a jornalistas
Em reunião com representantes da imprensa ontem, em Brasília, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu a criação de uma “política de estado de proteção ao jornalista” em resposta à morte de Santiago Andrade. Representantes da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), que entregaram ao ministro um relatório com casos de violência contra profissionais dos veículos de comunicação. Cardozo participa amanhã de uma reunião com secretários de Segurança dos Estados, em Aracaju (SE), para discutir propostas de projetos de leis e outras medidas a serem tomadas para coibir a violência nos protestos. Entre as medidas estão a proibição do uso de máscaras nas manifestações e a federalização de crimes realizados durante os atos. “Eu acho que realmente a liberdade de manifestação está assegurada na Constituição, mas é vedado o anonimato”, afirmou Cardozo.
Dor da mãe da primeira vítima
A notícia da morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão durante protestos no Rio de Janeiro, trouxe de volta os momentos mais duros enfrentados pela empregada doméstica Neide Caetano de Oliveira, 44 anos. Mãe de Douglas Henrique de Oliveira Souza, primeira vítima das manifestações na capital mineira, em junho de 2013, Neide tenta juntar os cacos e superar o vazio com a perda do filho e conta que sua família ainda sofre muito com a ausência de Douglas. “Sei bem o que a família dele (Santiago) está passando em um momento deste. Voltei a me perguntar nesta semana: quantos filhos, maridos e pais terão que morrer para que as pessoas se conscientizem do perigo de atos violentos em manifestações?”, lamentou Neide.
Douglas morreu poucas horas depois de dar entrada no Hospital Pronto-Socorro João XXIII, depois que caiu do Viaduto José Alencar durante manifestação que levou cerca de 50 mil pessoas para as ruas de Belo Horizonte. O jovem, que completaria na semana que vem 22 anos, tentou pular de uma pista do viaduto para outra, mas caiu em um vão. Quatro dias antes, Luiz Felipe de Almeida, 22 anos, havia caído no mesmo lugar. Ele foi internado no pronto-socorro mas não resistiu aos ferimentos e morreu 19 dias depois da queda.
“Meu filho faria aniversário no dia 19. Às vezes tomo um susto quando penso que ele não estará aqui comigo para comemorar. Não vou poder abraçá-lo. Quando vi a carta que a filha do cinegrafista do Rio escreveu, falando dos últimos momentos que passou com o pai, não tem como não lembrar a dor que senti ao ver meu filho morto no hospital. Inclui o nome dela e da esposa nas minhas orações, porque o sofrimento não passa, o vazio continua”, conta Neide.
Segundo ela, a rotina da família – Neide tem duas filhas e uma neta – não voltou ao normal desde a morte de Douglas há sete meses. “Até hoje não consegui desmontar a cama e as coisas dele. Como disse o papa Francisco, uma mãe que perde o filho não tem nem nome. Porque o filho, quando perde a mãe, fica órfão. A esposa ou o esposo, quando perde um ao outro, fica viúvo. Mas a mãe que perde o filho não tem nome”, disse.
Para Neide, o sentimento de indignação se mistura com o desânimo em relação aos protestos que podem voltar a tomar as ruas das principais cidades brasileiras durante a Copa do Mundo. “Meu filho morreu, o outro menino aqui de BH (Luiz Felipe) e o cinegrafista carioca morreram e outros casos pelo Brasil deixaram uma dor muito grande para as família e o que vai acontecer? A passagem vai aumentar, a Copa vai acontecer, os casos de corrupção vão continuar aparecendo. Só mães, esposas e filhos que perderam pessoas que amavam vão ficar com o buraco no coração. Mesmo manifestantes pacíficos acabam se misturando com aqueles mais violentos e a situação sai do controle”, avaliou. (com Marcelo da Fonseca)