Geraldo Vandré é personagem recorrente dos efeitos nefastos da censura imposta pela ditadura militar (1964-1985) que governou o país. Em 1968, cantou Para não dizer que não falei de flores, no 3º Festival Internacional da Canção (FIC). A música se transformou no hino da resistência e levou o autor a sair do país e se exilar do próprio passado. Quatro anos depois da épica apresentação de Vandré no Maracanãzinho, foi a vez de o belo-horizontino do Bairro Lagoinha Sirlan Antônio de Jesus cantar no 7º FIC outro hino de resistência: Viva Zapátria. Assim como Vandré, a vida do mineiro nunca mais foi a mesma após a apresentação. Foi perseguido pelos militares e viu sua promissora carreira ser impedida de deslanchar.
Aos 62 anos, Sirlan reúne documentos para entrar com o pedido de anistia política. Se concedido pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, o reconhecimento dará a Sirlan uma compensação financeira pelos prejuízos causados pela censura, além do pedido de desculpas do Estado brasileiro pelo mal que fez ao artista. Sirlan alega que após a apresentação no festival, quando foi ovacionado pelo público que lotou o Maracanãzinho, foi perseguido sistematicamente pela censura.
Viva Zapátria é uma exaltação com a junção das palavras Zapata e Pátria, uma alusão evidente ao líder da Revolução Mexicana, Emiliano Zapata (1879-1919). Tudo que os militares que estavam no poder não queriam era uma canção exaltando um revolucionário. Sirlan, porém, seguiu uma dica do amigo Chico Buarque, criou uma história absurda e passou pela censura. Disse que a música era uma homenagem ao ator Marlon Brando, que em 1952, estrelou o filme Viva Zapata, um famoso faroeste dirigido por Elia Kazan.
Depois de décadas, Sirlan decidiu romper o silêncio e contar sua história em entrevista ao Estado de Minas. Com a perseguição imposta após a apresentação no FIC, em 1972, Sirlan não pôde seguir o caminho natural dos artistas que despontavam no festival, que era gravar um disco e entrar definitivamente no primeiro escalão da música brasileira. Assim como Vandré, foi frontalmente atacado pela censura e teve a carreira castrada.
O COMEÇO Nascido em 1951, na Lagoinha, e filho de comerciantes, Sirlan viveu intensamente a boemia do bairro. “Desde muito cedo caminhava nessa direção (a música). “Eu estava no jardim de infância e fugia de casa para cantar em um botequim chamado Bife de Ouro, na Rua Bonfim, na zona boêmia. Eu era amigo das prostitutas e minha grande dificuldade era esconder o dinheiro que ganhava de gorjeta”, lembra.
O menino encantava com canções de Luiz Gonzaga e Nelson Gonçalves e com 11 anos aprendeu a tocar bateria. Lembra do papel importante dos músicos da família Prata, seus vizinhos na Lagoinha, que tocavam em casas tradicionais da Belo Horizonte dos anos 1960, como o Montanhês. Sirlan começou a tocar profissionalmente nos bailes da cidade, ao mesmo tempo em que trabalhava como ajudante, uma espécie de faz tudo, no extinto Correio de Minas, onde conviveu com nomes como o cartunista Henfil e o ex-deputado federal Fernando Gabeira.
Em 1964, ele foi trabalhar na TV Itacolomi, que ficava no Edifício Acaiaca, no coração da capital mineira. “Nesse período, minha sala na TV virou um bunker.
Viva Zapátria
(Sirlan/Murilo Antunes)
Esse meu sangue fervendo de amor
Aterrisam falcões, onde estou?
Carabinas, sorriso, onde estou?
Um compromisso a sirene chamou
Duplicatas, meu senso de humor
Se perdeu na cidade onde estou.
Viva Zapátria, saudou esse meu senhor
Beijos, abraços, ano um chegou
Salve Zapátria, ê, viva Zapátria, ê
Esta cidade foi uma herança só.
Viva Zapátria, saudando o senhor
Horizonte aberto onde estou
Esta América mãe onde estou.
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