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Estado de Minas

Ex-presidente do Supremo acredita que STF não deve julgar Azeredo

Em entrevista ao EM, o advogado constitucionalista Carlos Mário Velloso defende que processo seja remetido à primeira instância e que não existe 'fraude processual' na renúncia do ex-deputado federal


postado em 22/02/2014 06:00 / atualizado em 22/02/2014 07:08

'O senhor Eduardo Azeredo é ex-deputado, não detém, portanto, mandato parlamentar. Deve ser julgado pelo juiz natural dos brasileiros, em geral, que é o juiz de 1º grau', diz o ex-ministro(foto: Cristina Horta/EM/D.A Press - 31/05/2010)
'O senhor Eduardo Azeredo é ex-deputado, não detém, portanto, mandato parlamentar. Deve ser julgado pelo juiz natural dos brasileiros, em geral, que é o juiz de 1º grau', diz o ex-ministro (foto: Cristina Horta/EM/D.A Press - 31/05/2010)
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e advogado constitucionalista Carlos Mário Velloso defendeu que não existe “fraude processual” na renúncia do ex-deputado federal Eduardo Azeredo à cadeira na Câmara dos Deputados, depois de ter sido denunciado por lavagem de dinheiro e peculato, em campanha eleitoral de sua reeleição em 1998. Segundo Velloso, a decisão do tucano em abrir mão de seu mandato aconteceu antes mesmo de o processo ser colocado em pauta, o que afasta a hipótese de manobra para evitar o julgamento pelo Supremo. Para o constitucionalista, sem o cargo eletivo, o processo do tucano deve ser mesmo remetido ao juiz de 1ª instância. “São inúmeros os entendimentos do STF nesse sentido”, diz. Carlos Velloso esclarece ainda que não existe, em aspectos jurídicos, semelhança entre o financiamento de campanha de Azeredo e o escândalo do mensalão. “O caso do denominado mensalão envolveu parlamentares e não parlamentares. Basicamente, teria ocorrido um plano mediante pagamento de mensalidades aos parlamentares, com dinheiro público (…). O caso do ex-deputado Eduardo Azeredo diz respeito, basicamente, a verbas de três ou quatro sociedades de economia mista estaduais, que teriam sido desviadas para a campanha política”, defende.

 

O senhor defende a tese de que a ação movida contra o ex-deputado Eduardo Azeredo seja julgada em primeira instância. Por qual razão?
É que a competência criminal originária do Supremo Tribunal Federal, inscrita na Constituição e apelidada de foro privilegiado, dá-se quando o réu tem mandato parlamentar, isto é, seja deputado ou senador. O senhor Eduardo Azeredo é ex-deputado, não detém, portanto, mandato parlamentar. Deve ser julgado pelo juiz natural dos brasileiros, em geral, que é o juiz de 1º grau.
 
O senhor poderia explicar as diferenças jurídicas entre o caso do mensalão, julgado pelo STF, e do ex-deputado Eduardo Azeredo?
O caso do denominado mensalão envolveu parlamentares e não parlamentares. Basicamente, teria ocorrido um plano mediante pagamento de mensalidades aos parlamentares, com dinheiro público, inclusive, que teria sido desviado, a fim de obter votos em projetos de iniciativa do Executivo. O caso do ex-deputado Eduardo Azeredo diz respeito, basicamente, a verbas de três ou quatro sociedades de economia mista estaduais, que teriam sido desviadas para a campanha política.

Como explicar o julgamento, no STF, de pessoas sem foro privilegiado no caso da Ação Penal nº 470?
O que acontece é que os parlamentares, réus na AP 470, atraíram a competência originária do STF. O Supremo poderia, em tese, ter desmembrado o processo: os réus com mandato parlamentar continuariam no Supremo. Os demais, sem mandato parlamentar, seriam julgados pelo juiz de primeiro grau. Isso, entretanto, não ocorreu. O pedido de desmembramento foi reiterado no início do julgamento da ação penal, por eminente advogado, e foi indeferido. E o argumento que me pareceu preponderante, para o indeferimento, é que o pedido fora indeferido, anteriormente. O Supremo, certamente, teve razões para decidir daquela forma.

O STF tem jurisprudência de remessa para a 1ª instância de casos semelhantes ao do ex-deputado Eduardo Azeredo, que renunciou ao mandato depois de denunciado criminalmente?

O que deve ser dito, por primeiro, é que a competência criminal originária do Supremo Tribunal, no caso ora tratado, somente ocorre quando o réu é titular de mandato parlamentar. É o que está inscrito no artigo 102, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal. Se não houver mandato, não há de se falar na competência criminal originária do Supremo. Há decisões relativas a réus que, por um motivo ou por outro, inclusive não parlamentares detentores desse foro que, por perda do mandato ou da condição que os fazia detentores do foro privilegiado, determinaram a remessa dos autos ao juízo de 1º grau. Isso é o normal. No site do Supremo isso é fácil de ser verificado.

Pode-se fazer um paralelo do caso do ex-deputado Azeredo com o do deputado Ronaldo Cunha Lima, que estava sendo processado no Supremo?

Ao que estou informado, cinco ou seis dias antes do julgamento marcado, isto é, processo em pauta, tudo pronto para o julgamento, o deputado Cunha Lima renunciou ao mandato. O Supremo determinou a remessa dos autos à 1ª instância, por sete votos a quatro. Esse precedente tem sido indicado, equivocadamente, como contrário ao caso do ex-deputado Azeredo. O caso do então deputado federal Natan Donadon, por exemplo, tem características especiais. No dia anterior ao julgamento pelo Supremo, ele renunciou ao mandato. O Supremo considerou isso “fraude processual” e manteve o julgamento por oito votos contra um. Os autos, ao que estou informado, estavam no Supremo. Perdido o mandato, desceram ao primeiro grau. Reeleito deputado federal, os autos subiram, novamente, ao Supremo. A renúncia ocorreu na véspera do julgamento. Diferente, portanto, do caso do ex-deputado Eduardo Azeredo, que renunciou ao mandato muito antes de o processo ser incluído na pauta de julgamento. E em que não houve descida e subida dos autos. No caso Donadon, dadas as suas circunstâncias, o Supremo entendeu ter havido “fraude processual”. No caso de Eduardo Azeredo as circunstâncias são outras.

Seria possível presumir, no caso Azeredo, “fraude processual”?

O que deve ser dito, por primeiro, é que a fraude não se presume, a fraude deve ser provada, esta é a regra. Ela há de estar baseada em prova, ou há de ser evidente, isto é, ter base em evidências. A carta, em termos sofridos, que enviou à Câmara dos Deputados esclarece as razões da renúncia. Deve ser considerado, ademais, que o ex-deputado Eduardo Azeredo é homem de bem, o que é reconhecido no nosso estado. Exerceu ele, sem mácula, cargos públicos e o cargo de governador de Minas. É ele de família honrada, filho de Renato Azeredo, político mineiro que dignificou os mandatos que exerceu, companheiro e defensor de Juscelino, quando isso representava ato de coragem.

Caso o STF decida manter o julgamento de Azeredo na Corte, o que ocorreria?

Não acredito que isso venha a ocorrer. A competência criminal originária do Supremo é excepcional. Somente ocorre, foi dito, nos casos expressamente inscritos na Constituição. Inocorrente o seu pressuposto – no caso, o mandato parlamentar, sem que ocorram evidências de fraude processual –, a decisão certamente será pela remessa dos autos ao primeiro grau. O juiz recebe a causa no estado em que se encontra, com o aproveitamento de tudo que foi feito no Supremo. Resta a ele, portanto, se não entender, por exemplo, que deva interrogar, novamente, o acusado, proferir sentença, depois das razões do Ministério Público e da defesa. Registre-se que o Supremo Tribunal, corte mais do que centenária, tem sólida tradição garantista. Quem a integrou, quem a conhece, tem razões de sobra para orgulhar-se da Corte Suprema brasileira. 


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