Jornal Estado de Minas

Artilharia do PSDB contra o PT marca a festa dos 20 anos do Real

Líderes tucanos apontaram a necessidade de mudanças econômicas e renovação do comando do país

Isabella Souto

Homenageado no Senado, Fernando Henrique lembrou boicote do PT ao Real. Para Aécio, petistas impuseram cenário de descrença ao país - Foto: Joel Rodrigues/Frame/Folhapress

A comemoração dos 20 anos do Plano Real serviu para uma nova rodada de críticas do PSDB à política econômica do PT e à atuação dos petistas durante o lançamento do plano econômico. Em tom eleitoral, os principais líderes tucanos se revezaram na tribuna do Senado nessa terça-feira para defender mudanças na economia e a necessidade de “renovação” no comando do país. E lembraram a resistência que o governo enfrentou por parte do PT, oposição ao Palácio do Planalto na ocasião. Ministro da Fazenda durante a elaboração do Real, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso foi o grande homenageado do evento. Em discurso de cerca de 30 minutos, ele disse que o Brasil precisa de “novos rumos” e do “entusiasmo” das novas gerações. “Há momentos em que é preciso renovar. Estamos no momento do grande salto”, afirmou o ex-presidente.

O tucano disse também que o Brasil ainda “está no passado” e que, para avançar, é preciso “abrir os olhos”.
“O Brasil precisa de ar novo, sangue novo. Está na hora de mostrar que há novos caminhos no Brasil”, ressaltou FHC, em alusão à candidatura a presidente da República do colega de partido, o senador mineiro Aécio Neves. Ainda antes do evento, ele apontou o que classifica como cansaço em relação ao governo petista, no poder desde 2003. "A partir de certo momento, tem fadiga de material. Eu sofri essa fadiga quando estava no governo. Agora, tem fadiga de material: ’De novo o mesmo, meu Deus?”. O Brasil é um país novo, precisa de sentir ventos novos", disse.

O ex-presidente afirmou que a estabilidade da economia, conquistada com base no Plano Real, foi apenas o “primeiro passo” e que muitos outros avanços são necessários. E aproveitou para criticar o que chamou de aparelhamento da administração pública, com mais de 30 partidos e 39 ministérios no governo federal.

FHC recordou ainda que o Plano Real enfrentou forte oposição do PT, do movimento sindical e até mesmo do Fundo Monetário Internacional (FMI). “Eu me esforcei para que o Partido dos Trabalhadores desse seu apoio ao Real. Cheguei a convidar os principais líderes do PT na época, Lula e José Dirceu, para falar sobre o plano e explicar suas vantagens. A primeira pergunta que eles me fizeram foi: ‘O PSDB terá candidato à Presidência da República?’” As eleições presidenciais ocorreram no mesmo ano do lançamento do Real, e o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi eleito no primeiro turno das eleições.

Os tucanos acusam o PT de ter tentado boicotar o Real por causa das eleições. “Eles não se dispuseram, um instante sequer, a abstrair os interesses eleitorais para emprestar apoio à iniciativa, à luta por um futuro melhor para todos os brasileiros.
Pelo contrário: sonhavam em capitalizar nas urnas o agravamento do caos para apresentar-se ao país com o figurino salvacionista”, discursou o senador Aécio Neves, ao classificar os petistas de “pescadores de águas turvas”. Segundo ele, é importante relembrar o cenário de “desesperança e desorganização” para mostrar que o país foi capaz de reagir. “É assim que devemos tratar a atual safra de maus resultados e olhar para o futuro”, disse. “O Brasil Precisa derrotar nas urnas a mentira e os pactos de conveniência”, emendou Aécio Neves.

O presidenciável do PSDB afirmou ainda que os 12 anos do governo PT – oito anos da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e quatro de Dilma Rousseff – levaram o Brasil a estar num ambiente de “desesperança e descrença” no futuro. “Até a valiosa estabilidade da nossa moeda vem sendo colocada em risco, sob ataques sorrateiros daqueles que sempre foram seus mais aguerridos adversários”, disparou. “A equivocada diplomacia ideológica petista nos leva à vergonhosa omissão quando crises se agravam no nosso entorno, agora na vizinha Venezuela”, completou. Aécio Neves fez questão de elogiar o ex-senador Itamar Franco, presidente da República na época de implantação do Real e morto em julho de 2011.

Líder do governo no Congresso Nacional em 1994, o deputado Luiz Carlos Hauly (PR) apontou o Plano Real como uma das principais conquistas da sociedade brasileira nos últimos anos. “Hoje comemoramos a democracia, a estabilidade econômica e inclusão social de milhões de brasileiros que passaram a ter poder aquisitivo”, disse.
“E essa imensa classe média, que ascendeu das classes D e E para a classe C, alguns até para a B, é resultado dos 20 anos do Plano Real”, disse ele, que assinou junto com o senador Aécio Neves e o deputado Mendes Thame (SP) o requerimento para a realização da solenidade de ontem.

Trajetória

Em meio ao ataque tucano, coube ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o discurso mais comedido. Filiado a um partido que integra a base de sustentação do governo federal, o alagoano preferiu se ater aos avanços trazidos ao país com a implementação do Plano Real. “Ele conseguiu interromper um perverso ciclo inflacionário de décadas e criou as bases fundamentais para o crescimento econômico de longo prazo”, afirmou o senador. Calheiros recordou ainda que o Brasil sofria com inflações “galopantes” e cada vez menos dinheiro no bolso do cidadão. “O Plano Real conseguiu mudar a trajetória ascendente da escalada dos preços, desativando o sistema de indexação da moeda. Com isso, a saúde de nossa vida econômica pôde ser restabelecida”.

O parlamentar não poupou elogios à gestão de Dilma. “Atualmente, a nossa moeda, o real, é a 16º mais negociada no mundo e deixamos para trás as desconfianças internacionais sobre a capacidade do Brasil de se organizar economicamente. Uma economia estável, com a inflação domesticada permitiu ainda que se iniciasse no Brasil um dos maiores programas de redistribuição de renda do mundo”, afirmou. Para ele, o real é um exemplo de que é possível “mudar o mundo” quando se tem vontade e capacidade de fazê-lo.

Memória

Pancada na inflação


Em 27 de fevereiro de 1994 foi editada a Medida Provisória 434, que instituiu a Unidade Real de Valor (URV) – primeiro passo para a implantação do real, que começou a circular em 1º de julho de 1994. Com a implantação, a inflação despencou e o poder de compra dos brasileiros cresceu. A desvalorização da moeda anterior, o cruzeiro real, que superava os 2.000% em 1993, ficou em 14,7% em 1995. Fernando Henrique Cardoso, responsável pela criação do Plano Real, ganhou as eleições presidenciais no primeiro turno em 1994 e 1998. Na solenidade de ontem, o ex-presidente recebeu a Medalha Ulysses Guimarães, comenda concedida pelo Congresso Nacional aos parlamentares que se destacaram no processo constituinte.

Ausentes na defesa

Beneficiários da estabilização econômica alcançada pelo Plano Real, ninguém do governo ou do PT prestigiou a sessão solene de comemoração dos 20 anos de implantação do plano, no governo do ex-presidente Itamar Franco, em 1994. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) deu uma passadinha no início mas não ficou. Após o evento, no entanto, petistas foram à tribuna rebater as críticas dos tucanos. A resposta mais enfática coube à ex-ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-PR), para quem coube à gestão de Luiz Inácio Lula da Silva "resgatar" os pressupostos da estabilização econômica, a partir de 2003. Em sua fala, ela listou como ameaças à estabilização, entre outros pontos, inflação e juros altos no fim do governo Fernando Henrique Cardoso, em 2002, o que em boa parte ocorria diante da incerteza do mercado em relação à gestão Lula, então candidato à Presidência da República.

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