Jornal Estado de Minas

Reembolso de gastos com gasolina está sob suspeita na Câmara de BH

Parlamentares apresentam notas fiscais com números sequenciais ou com numeração duvidosa para comprovar despesas

Alessandra Mello Alice Maciel

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Para justificar o alto gasto com gasolina, que pode chegar a R$ 3 mil mensais, vereadores de Belo Horizonte apresentaram nos últimos 12 meses notas fiscais de despesas com combustível com numeração em sequência ou com a numeração decrescente de um mês para o outro em vez de crescente. Há casos em que elas aparecem com números sequenciais o ano inteiro, como se o vereador fosse o único cliente do posto a exigir o documento. Há também notas emitidas há cinco meses com a gasolina a R$ 2,899 o litro, preço cobrado atualmente no mesmo posto. Outro detalhe que chama atenção é a preferência dos parlamentares pela gasolina aditivada, mais cara que a comum.

Além de abastecer seus carros com combustível pago pelo contribuinte, inclusive durante o recesso parlamentar, vereadores da capital mineira podem alugar e fazer manutenção de seus veículos com recursos públicos. E entra de tudo. Gastos com peças, pneus, lanternagem, pintura, óleo, alinhamento, balanceamento, estacionamento e por aí afora. No caso do aluguel dos carros, alguns preços também estão acima da média do mercado.
Entre janeiro de 2013 e 2014, os vereadores consumiram R$ 1,6 milhão só com locação de carros, que pode chegar a R$ 6.750 por mês. Entre os 32 itens reembolsáveis da verba indenizatória, as despesas com automóvel – que incluem combustível, manutenção, locação e estacionamento – foram as maiores nesse período.

O vereador Gunda (PRP) gastou com combustível no ano passado, em um único posto, localizado na Avenida André Cavalcantti, no Bairro Gutierrez, Região Oeste de Belo Horizonte, R$ 12.864,09. A julgar pela numeração das notas apresentadas pelo vereador, em 2013, praticamente só ele abasteceu seu carro e pediu nota fiscal. Em janeiro do ano passado, ele apresentou duas notas para justificar os gastos com gasolina com números consecutivos. Em fevereiro, a sequência nas notas continuou. De outubro a dezembro, o número de notas em sequência apresentadas foi ainda maior. Em outubro, por exemplo, ele apresentou notas de números 020721, 020722 e 020723. Em novembro, as notas mantiveram a ordem numérica – 020724, 020725, 020726 e 020727 –, esquema que continuou em dezembro: 020728, 020729 e 020730.

O levantamento foi feito pela reportagem no Portal da Transparência da Câmara Municipal de BH. Por meio de sua assessoria, Gunda informou que a emissão da nota é de responsabilidade da empresa e que ele não sabe explicar o motivo de elas terem números seguidos. A gerência do posto informou que usa duas notas, uma eletrônica e outra que é preenchida a mão apenas em caso de problemas com a primeira, e que o parlamentar sempre pede a nota manual. 

Sem lógica

Em outro caso, as notas apresentam números contraditórios. Em janeiro, a vereadora Elaine Matozinhos (PTB) apresentou a nota número 3055 de um posto localizado na Avenida Tereza Cristina, no Bairro Padre Eustáquio, Região Oeste da capital.
Em dezembro e novembro, os números das notas fiscais do mesmo posto eram 3104 e 3466. Pela lógica, elas deveriam ter números menores e não maiores do que a apresentada no mês passado. Pela legislação, os blocos de notas fiscais devem ter numeração sequencial, ou seja, à medida em que são emitidas, a numeração aumenta.

Elaine Matozinhos é a única parlamentar cliente desse posto. A direção do estabelecimento informou que é normal as notas serem emitidas fora de ordem, pois os blocos de notas, cada um com 50 folhas, são distribuídos aleatoriamente aos frentistas. A reportagem ligou para o gabinete da vereadora, mas não obteve retorno. De acordo com a Secretaria da Fazenda, as microempresas podem imprimir notas sem autorização da Receita, mas não podem emitir fora da ordem numérica, sob risco de serem penalizadas em caso de erro na emissão do documento.

RECESSO Além dos problemas com a numeração das notas, mesmo em janeiro, época do recesso parlamentar, os gastos com veículos são elevados na Câmara. No mês passado, 24 dos 41 vereadores gastaram R$ 40.572,59 só com combustível. Para receber o dinheiro dessa conta, basta ao parlamentar apresentar a nota fiscal da despesa com a placa cadastrada por eles na direção da Casa.
Não há necessidade de comprovar que o dinheiro foi mesmo usado para financiar o mandato. Eles podem cadastrar o número de veículos que desejarem, não há fiscalização no Legislativo para saber quem é o proprietário do carro nem como ele está sendo usado.

Alguns vereadores, caso de Henrique Braga (PSDB) e Gilson Reis (PCdoB), chegaram a gastar em janeiro o limite do consumo de combustível, de R$ 3 mil mensais, valor suficiente para comprar mil litros de gasolina e rodar no mês 11 mil quilômetros, levando em conta o consumo de um carro popular. Gilson Reis pagou, em setembro,  R$ 2,899 pelo litro de gasolina em um posto no Bairro Floresta, na Região Leste. O valor é o mesmo cobrado atualmente pelo posto, para pagamento à vista ou a crédito.

O vereador, por meio de sua assessoria, garantiu que naquele mês o preço do combustível era R$ 2,899, devido a um acordo com a Petrobras. De acordo com a assessoria, o parlamentar abastece nesse posto porque está próximo à sede da Câmara, localizada no Bairro Santa Efigênia. Em relação aos gastos de R$ 3 mil em janeiro, o parlamentar justificou que eles são referentes a 15 dias de dezembro, além de janeiro, mês em que o vereador trabalhou, apesar do recesso parlamentar.

Locação

Localizada em Betim, na Região Metropolitana de BH, uma das locadoras campeãs de aluguel de carro entre os parlamentares cobra atualmente R$ 2,5 mil pelo aluguel mensal de um veículo novo, completo, ano 2013/2014, com quilometragem livre. Em outubro, Gunda alugou um Fiat Palio ano 2009/2010, por esse valor. No mesmo mês, no entanto, outros vereadores pagaram R$ 1,5 mil pela locação mensal de um veículo.

Memória

Gastos sem controle


Reportagem do Estado de Minas, publicada dia 16, revelou o vale-tudo nos gastos com a verba indenizatória no Legislativo da capital mineira. Entre as notas apresentadas para reembolso estão as relacionadas a despesas realizadas em empresas inexistentes ou sem ao menos uma placa na porta. O EM mostrou ainda gastos elevados em restaurantes de preços populares e até nota de supermercados e de loja de produtos de limpeza como despesa de lanche para os funcionários dos gabinetes.

Em 23 de setembro de 2012, 11 dias antes das eleições municipais, o EM mostrou com exclusividade veículos a serviço dos gabinetes parlamentares autorizados a abastecer com verba indenizatória adesivados com material de campanha. Seis vereadores reeleitos e seis derrotados nas urnas foram condenados pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) a pagar multa pelo abastecimento de veículos de campanha com combustível pago pela Câmara Municipal. Eles também foram denunciados pela Promotoria de Defesa do Patrimônio Público por improbidade administrativa. A reportagem comprovou ainda que até mesmo carros de parentes de vereadores estavam autorizados a abastecer com verba indenizatória.

 

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