André Shalders e Amanda Almeida
Brasília – Um mês depois do início do ano legislativo, parlamentares da Câmara dos Deputados e do Senado foram pular carnaval com as mesmas pendências que deixaram ao entrar de recesso em 24 de dezembro de 2013. Com a lentidão dos trabalhos, as duas Casas acumularão propostas que se arrastam desde o ano passado, como o novo indexador da dívida de estados e municípios e o marco civil da internet (veja quadro). O acúmulo ainda aumentará com as propostas que chegarão em breve aos dois plenários. Na lista das que entram, está o texto, prometido pelo Palácio do Planalto para esta semana, que “regulamenta” as manifestações. Se fevereiro já não foi animador, nos próximos 10 meses, a realidade deve ser a mesma. Ano eleitoral e Copa do Mundo atrasarão ainda mais os trabalhos.
Embora o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tenha dito na abertura dos trabalhos legislativos, em 3 de fevereiro, que os parlamentares deveriam priorizar o “rolezinho legislativo”, por ora é o “rolezinho político” que tem prevalecido. O carnaval, por exemplo, começou na quarta-feira para grande parte dos senadores e deputados. Logo pela manhã, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), teve de encerrar a sessão por falta de quórum. Na data, seria votado o envio de uma comissão de deputados à Holanda para investigar suposto pagamento de propina a funcionários da Petrobras.
A estagnação, no entanto, não restringe ao período pré-carnaval. O plenário da Casa não conseguiu concluir a votação de nenhum dos seis projetos que trancam a pauta desde a volta do recesso. Somente quando limparem a pauta, os deputados poderão apreciar textos propostos por eles próprios – possíveis trunfos para mostrar aos eleitores em outubro. Empregados domésticos, agentes comunitários de saúde e policiais são alguns dos profissionais que terão de reforçar o lobby se quiserem a aprovação das propostas de interesse deles.
O Planalto também tem 13 medidas provisórias (MPs) esperando na fila para serem votadas e algumas trancam a pauta a partir do dia 15. Segundo lideranças partidárias, a baixa produtividade em fevereiro não se deveu só à falta de quórum. A rebeldia da base aliada e a crise no diálogo com o Executivo foram apontados como os principais motivos da estagnação. “A Câmara é vítima de um governo fraco, que conseguiu a proeza de se tornar refém da própria base. Quem é que paralisou as votações na Casa? O ‘blocão’ e os partidos que participam dele. Esse tipo de coisa só ocorre em ano eleitoral quando o governo está debilitado”, dispara Beto Albuquerque (RS), líder do PSB.
A oposição vai ainda mais longe e diz que o governo está tentando “manietar” o parlamento, como diz o líder da minoria, deputado Domingos Sávio (PSDB-MG). “O que assistimos é uma tentativa reiterada de impedir o funcionamento da Câmara. É bom que o Brasil desperte para um fato: esse governo está tendo atitudes que se assemelham às das piores ditaduras”, acusa. Sávio enumera a compra de votos de deputados no mensalão e a distribuição de cargos em comissão e ministérios como ações anteriores do Planalto no esforço de calar o Congresso. “Agora, o governo manda uma série de projetos, às vezes sem a menor pertinência, com urgência constitucional. Depois que o projeto tranca a pauta, o próprio governo orienta a base a não votar. Conclusão: o Congresso está literalmente fechado.”
O líder da bancada petista na Câmara, Vicentinho (SP), diz que não há nenhuma orientação do governo para manter a pauta trancada e admite problema na base aliada. “Não me preocupo com a oposição. O que incomoda realmente é a base aliada. São pessoas que apoiam o governo, que vão ao governo pleitear espaço, pleitear cargo, e que deveriam ajudar a construir o projeto”, cobrou.
FORÇA-TAREFA
A pauta do Senado também estava trancada até semana passada. Com calendário apertado, a Mesa Diretora se reuniu e decidiu criar uma força-tarefa. Renan anunciou que, entre junho e outubro, o Senado funcionará por cinco semanas, devido à Copa do Mundo e às eleições. Na prática, os senadores formalizaram que deixarão de trabalhar 13 semanas no período. Em março, os parlamentares tentam novamente definir uma pauta de votações.
Na lista, entra o projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR) que tipifica o terrorismo. O texto ganhou força depois da morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido por um rojão em manifestação no Rio de Janeiro, no início de fevereiro. Para especialistas, a matéria abre brechas para a condenação de manifestantes como terroristas. Com a polêmica, os parlamentares estudam um texto alternativo. Mas têm pressa, porque querem que entre em vigor até a Copa do Mundo.
Também na esteira da morte do cinegrafista, o governo prepara um projeto para regulamentar as manifestações. A promessa era entregar nas últimas duas semanas, mas ficou para depois do carnaval. A ideia é aumentar a pena para crimes já existentes no caso de serem cometidos durante protestos. O Ministério da Justiça, responsável pela redação, também avalia como endurecer com os mascarados. Uma das propostas discutidas é também aumentar penas quando o crime é cometido por uma pessoa com o rosto escondido.
Projetos que praticamente não andaram esde o início do ano no Legislativo
O que dorme na pauta da Câmara
Marco civil da internet
» A proposta da presidente Dilma Rousseff é tratada pelo governo federal como principal ferramenta legal para livrar o Brasil da espionagem estrangeira. O projeto estabelece direitos dos internautas brasileiros e obrigações de prestadores de serviços na web.
Porte de armas para agentes prisionais
» O texto, também enviado pelo Executivo, faz parte de acordo entre Planalto e Congresso. A presidente Dilma vetou, no ano passado, texto sobre o tema e, para manter o veto, se comprometeu a enviar nova matéria. Diferentemente das outras, a proposta impõe exigências aos profissionais que usarem armas.
O que dorme na pauta do Senado
Indexador da dívida dos estados e municípios
» A proposta prevê mudança do índice de correção das dívidas para dar margem maior para que governadores e prefeitos voltem a investir. Senadores pressionam pela votação, mas o governo tenta segurar a discussão.
O que dorme na pauta do Congresso
Emancipalistas: O Congresso tem que decidir se mantém ou derruba veto da presidente Dilma ao projeto que cria normas para a criação de municípios. Movimentos emancipalistas pressionam parlamentares pela derrubada. Planalto tenta negociar novo texto.
O que ainda chegará às duas Casas
Manifestações: o governo diz que finaliza texto que “regulamenta” protestos. A ideia é endurecer a lei para acusados de cometer crimes em manifestações, aumentando a pena. O Planalto quer também criar um padrão de conduta policial e avalia se criminaliza o uso de máscaras.