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Estado de Minas 50 ANOS DO GOLPE DE 1964

Como atuou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais durante os anos de chumbo

Três deputados de Minas foram cassados pelos próprios colegas


postado em 09/03/2014 06:00 / atualizado em 09/03/2014 08:03

Na série de reportagens especiais, iniciada em 23 de fevereiro, para marcar os 50 anos do golpe de 1964, que levou os militares ao poder no Brasil, o Estado de Minas conta nesta edição como atuou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais durante os anos de chumbo. A reportagem de estreia trouxe o perfil e uma entrevista com o ex-governador Rondon Pacheco, que, em 1968, então chefe da Casa Civil do governo Costa e Silva, participou da reunião de elaboração do Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso e deu início ao período conhecido como anos de chumbo no Brasil. No domingo passado, o EM contou as histórias de dois ilustres mineiros: o cartunista Henfil e a artista plástica Yara Tupynambá. O primeiro driblou a censura e passou mensagens cifradas por meio de seus desenhos. A segunda, nos tempos de exceção na Universidade Federal de Minas Gerais, grafou em seu painel sobre a Inconfidência Mineira, sob os olhos atentos dos militares, a frase encomendada pelo reitor afastado Gerson Boson : “Condição primeira para a cultura é a liberdade”.

Quando a mulher o levou para ver um apartamento nos idos de 2001, Sinval teve um choque. A rua tinha o nome do militar que o havia torturado em 1964, quando foi preso pela ditadura dois dias antes do golpe que tirou do poder o então presidente do Brasil João Goulart. Pela bela vista do lugar, digna de receber uma moldura, no Belvedere, ele acabou relevando o tétrico “detalhe” e foi lá que passou os dois últimos anos de vida, antes de morrer em 10 de dezembro de 2003. Sinval Bambirra (PTB) é um dos três deputados estaduais mineiros cassados em 8 de abril de 1964. A medida, que tirou os mandatos de Clodesmidt Riani (PTB) e José Gomes Pimenta (PDC), o Dazinho, na mesma data, tornou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a única do país a cassar seus próprios membros por acusação de subversão e ligação com o PCB, o Partido Comunista Brasileiro.


Com uma maioria de parlamentares simpáticos ao golpe, a Assembleia mineira se antecipou ao Ato Institucional nº 5, que, nos anos de chumbo da ditadura, cassou os mandatos de dezenas de políticos no país. Em 1966, o deputado Wilson Modesto Ribeiro (PTB) foi cassado pelo AI-2 e, em 1969,  outros seis perderam os mandatos pelo AI-5: Raul Matosinhos de Castro Pinto e Antônio Pereira de Almeida, da Arena; e Raul Belém, Aníbal Teixeira de Souza, Sebastião Fabiano Dias e Sílvio Menicucci, do MDB. “A Assembleia mineira foi a única do país que cassou os seus pares, porque os deputados eram tão adesistas que queriam dar uma satisfação ao regime”, explica o historiador Luiz Fernandes de Assis.


Foi na prisão, para onde foi levado em 30 de março de 1964, que Bambirra recebeu a visita de parlamentares na noite de 7 de abril daquele ano. Os colegas lhe comunicaram sobre o pedido de cassação e deram 24 horas para que apresentasse suas alegações. “Decoro é decência, honradez, diz o dicionário. E por acaso não os tenho tido, não os tenho posto à prova? Quem mais do que eu nessa Assembleia tem tido mais decoro, mais decência, mais honradez? Não digo que alguém não os possua, mas não imputem a mim o que não fiz, não faço e não farei”, disse o parlamentar em sua defesa.

 

Clodesmidt Riani, que era presidente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), foi preso dias depois no Rio de Janeiro. Riani também foi um dos mais perseguidos, pois era amigo de Jango e organizava a greve geral pela permanência do presidente. Aos 94 anos, ele vive hoje em Juiz de Fora, onde recebe constantes homenagens.


Avisado por um colega deputado, Dazinho conseguiu escapar da prisão quando ia para a Assembleia, que estava cercada à sua espera, mas foi capturado em seguida. Ele morreu em março de 2007, aos 84 anos, em decorrência da silicose, doença que adquiriu pelo trabalho na Mina de Morro Velho. Tornou-se deputado estadual por sua liderança no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Exploração do Ouro e Metais.

Os mandatos dos três deputados foram reabilitados em 1994, quando, 30 anos depois do golpe, o Legislativo reconheceu o erro, admitindo que não houve quebra de decoro, mas, sim, uma decisão política.

Pesadelo marcado na memória


A jornalista Maria Auxiliadora Bambirra, de 74 anos, viúva de do deputado Sinval Bambirra, conta que, em 30 de março de 1964, esperava o marido para almoçar, mas, no lugar dele, veio um jipe militar para avisar que ele havia sido conduzido para uma unidade do Exército na Gameleira, Região Oeste de Belo Horizonte. Foram buscá-lo no Sindicato dos Tecelões, no Bairro Lagoinha, dizendo para ele conversar com o General Guedes, mas quando saiu havia um camburão na porta à sua espera.
Bambirra era presidente da Federação dos Tecelões de Minas e secretário do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Na Assembleia, era um dos deputados que pediram uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar as ações do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), organismos formados pela elite civil e por militares, que tiveram papel importante na difusão de um ambiente pró-golpe. “Acho que o pedido de CPI foi uma das coisas que mais revoltaram a elite e, por isso, Bambirra foi o único deputado torturado”, afirmou a viúva.
 “Eles (os militares) sabiam que, para levar adiante o que queriam fazer, tinham de prender os líderes, e foi o que fizeram. Desde 13 de março a gente sabia que havia um movimento terrível e Jango estava em vias de cair. O sindicalismo ia entrar em greve geral, estava tudo engrenado para parar as rodovias, ferrovias, como forma de impedir o golpe”, lembra Maria Auxiliadora.


Para a viúva de Sinval, o marido era o mais reformista dos três deputados. Ela conta que ele era contrário à violência e defendia que as mudanças viessem do Parlamento. Com a prisão, teve início um grande sofrimento. “Meu marido não gostava de falar sobre o que aconteceu dentro da prisão. Só no finalzinho da vida começou a me contar. Quando saiu da prisão tinha um coágulo, porque estouraram os tímpanos dele nas sessões de tortura. Faziam simulações de fuzilamento, era uma pressão psicológica que ele nunca esqueceu. Saiu de lá com  lesão no cérebro por causa das pancadas. Foi um pesadelo”, conta a jornalista.


Depois de um ano e meio preso, Bambirra conseguiu um habeas corpus e foi se abrigar na embaixada do México. Ao lado dos padres Laje e Julião, se exilou naquele país. “Cheguei meses depois, pois o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) não soltava o passaporte da gente. De lá conseguimos um contato via Confederação Sindical Mundial e conseguimos levar o Bambirra para a Alemanha em novembro de 1966 para ser operado por causa das lesões”, conta Maria Auxiliadora. Bambirra fez a cirurgia de reconstituição do tímpano em Berlim, mas nunca se recuperou totalmente. A jornalista, que esteve todo o tempo ao lado do marido, hoje pensa em escrever um livro com suas memórias.


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