Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em tramitação na Câmara dos Deputados pode gerar uma enxurrada de ações na Justiça. O texto, pronto para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), quer incluir os prefeitos dos 5.564 municípios brasileiros na lista dos agentes autorizados a entrar com ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, têm esse direito apenas o presidente da República, governadores de estados, entidades de classe de âmbito nacional, partidos políticos e o procurador-geral da República. Para o autor da proposta, Valtenir Pereira (PROS-MT), a medida pretende igualar os direitos dos chefes de Executivo. Já o assessor jurídico do Ministério Público Federal Erival Oliveira considera o projeto uma manobra política, para que os administradores municipais ganhem visibilidade nacional.
A PEC 343/13 acrescenta um inciso ao artigo 103 da Carta, possibilitando que os prefeitos proponham Adins e também ações declaratórias de constitucionalidade (ADC). Valtenir Pereira diz que os municípios alcançaram autonomia na Federação nas áreas legislativa e administrativa, sendo necessário estabelecer um tratamento paritário para todos os entes da República. “Muitas vezes, a legislação federal ou a estadual impactam nos municípios e eles não têm legitimidade para se defender. Queremos colocar os prefeitos na mesma condição, por simetria, dentro de um sistema lógico”, defende. O deputado diz ainda que muitas leis atrapalham o andamento da cidade. “Por exemplo, uma legislação em saúde que defina alguma estratégia que impõe obrigações para os municípios e contrarie a Constituição. O prefeito depende do procurador-geral da República ou do partido. Ele fica de mãos atadas”.
Especialistas, no entanto, alertam para o perigo de um grande volume de ações no STF caso o projeto seja aprovado. Mas a probabilidade de isso acontecer, segundo o assessor jurídico do Ministério Público Federal Erival Oliveira, é ínfima. Segundo ele, o artigo 103 defende a ideia de um caráter nacional aos legitimados a entrar com as ações. Já o texto da PEC eleva o município à condição de membro da federação. “Como são mais de 5.560 municípios, haveria uma ampliação elevada e sem precedentes. Já imaginou a enxurrada de ações que seriam propostas? Não vai prosperar porque amplia muito a legitimidade. O município é entidade menor, não participa da Federação. Isso é politicagem, não vai funcionar. Só vai trazer mais dor de cabeça”, criticou. Oliveira lembra que os prefeitos já contam com mecanismos para contestar a inconstitucionalidade de leis, como acionar seus partidos ou o procurador-geral da República. “Eles podem também atuar dentro do Congresso, podem pressionar o presidente para vetar lei”, disse.
Consistência O deputado Valtenir Pereira contestou as críticas e garantiu que não haverá esse grande volume de processos. Ele também afirmou que deve ter apoio no plenário para a proposta. “Os parlamentos estão bastante atentos às regras constitucionais. É tradição do direito brasileiro a obediência à Constituição. A PEC vai estimular essa atenção, porque se aprovar algo errado, pode ter um prefeito que proponha ações. E o Supremo tem todo o know how na análise. Se for algo sem consistência, a ação não vai ser recebida”, defende. Para Pereira, é melhor ter o mecanismo à disposição e não usá-lo do que deixar o prefeito “fora do pacto federativo”.