São Paulo, 16 - Protagonista da crise entre o Palácio do Planalto e o PMDB, o líder do partido na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), teve participação na eleição da presidente Dilma Rousseff (PT) na campanha eleitoral de 2010. No final do primeiro turno daquele pleito, a então candidata petista sofreu um revés ao ter seu nome vinculado à defesa do aborto nas redes sociais, um dos fatores que contribuíram para empurrar a eleição para o segundo turno. Na tentativa de reverter os estragos sofridos, a campanha petista escalou alguns aliados com bom trânsito entre evangélicos e católicos e Eduardo Cunha foi um dos escolhidos para trabalhar em sua defesa.
Além de contar com fiéis escudeiros para defendê-la em suas bases eleitorais - em São Paulo, ela teve a ajuda do deputado Gabriel Chalita (PMDB) junto ao eleitorado católico - Dilma Rousseff assinou uma carta na qual se comprometia, entre outras coisas, a não avançar na legislação já existente sobre o aborto e conclamava os correligionários a ajudar na tarefa de deter o que classificou de "sórdida campanha de calúnias".
Evangélico e classificado, já em 2010, como um dos deputados mais influentes do PMDB, Cunha percorreu as igrejas evangélicas do Rio, segundo maior colégio eleitoral do País, defendendo a petista e pedindo voto para ela. Dilma acabou vencendo o segundo turno contra o tucano José Serra.
Mesmo sem ter levado os louros da defesa, Cunha continuou atuando em sintonia com o governo federal. Em agosto do ano passado, contudo, o parlamentar foi surpreendido com a sanção de Dilma ao projeto que permite a distribuição da pílula do dia seguinte para vítimas de estupro. A atitude da presidente foi classificada por parlamentares da bancada evangélica como uma quebra do compromisso firmado na campanha de 2010, porque, na avaliação deles, abre um precedente para o aborto.
Uma fonte que acompanhou os bastidores deste caso informa que Cunha se sentiu, pessoalmente, mal, traído, pois havia atuado na defesa de Dilma em 2010 na questão do aborto. "Creio que este foi o estopim da quebra de confiança e do início do desgaste da relação", disse a fonte. Oficialmente, o líder do PMDB evita criticar a posição da presidente neste episódio, dizendo que o projeto não foi de autoria do governo. "Ela (Dilma) poderia não ter sancionado o projeto", disse Cunha ao Broadcast Político. "Ficou uma polêmica presente, isso pode ser explorado na campanha, não tenho dúvida de que pode."
Segundo a fonte, a reação de Cunha não se deu apenas porque sua base eleitoral é composta, em grande parte, pelo eleitorado evangélico, mas porque ele é um defensor dessas causas. Nessa defesa, o peemedebista mantém um programa na rádio Melodia. A emissora, uma das primeiras FMs do Brasil a transmitir uma programação 100% evangélica, alcança todo o estado do Rio e a cidade mineira de Juiz de Fora. O bordão que o deputado usa nas transmissões de seu programa reforça a disposição que vem demonstrando na queda de braço com o Palácio do Planalto: "Afinal de contas, o nosso povo merece respeito".
Considerado "bom de briga", do tipo que não leva desaforo para casa, e trabalhador incansável, Eduardo Cunha, de 55 anos, é economista e foi eleito para um cargo legislativo pela primeira vez em 2001, como deputado estadual pelo PPB (atual PP). No ano seguinte, elegeu-se deputado federal pelo mesmo partido. Em 2003, migrou para o PMDB e, no pleito de 2010, foi o quinto deputado federal mais votado do Estado do Rio de Janeiro, com mais de 150 mil votos. Antes de entrar na política, atuou na área da telefonia e foi presidente da Telerj no início da década de 90.
Na queda de braço com o Planalto, a avaliação dos correligionários é de que a liderança de Eduardo Cunha cresceu e seu nome se consolidou. O presidente do PMDB do Rio de Janeiro, Jorge Picciani, reforça o discurso de que a legenda não quer cargos no ministério de Dilma Rousseff. "A soberba (de Dilma e do PT) está levando a erros graves. O PT já deveria ter aprendido com isso. Além disso, é bom frisar que o PT não está em condições de desqualificar o líder do PMDB", afirmou ao Broadcast Político.
Picciani disse que, neste momento, mais do que defender suas causas e as da bancada evangélica, Eduardo Cunha está em defesa da independência do próprio Parlamento. "Não se pode desqualificar um líder desse cacife", emendou o presidente do PMDB do Rio.
O poder de aglutinação e liderança de Cunha é reconhecido até por parlamentares da oposição. Um desses políticos, que não quis ser identificado, disse que o Palácio do Planalto não tem ideia da briga que arrumou, pois a tenacidade e a persistência do peemedebista na defesa de suas causas são conhecidas entre seus desafetos.
Outro aliado que também preferiu não ser identificado disse que, além de Dilma, Cunha também defendeu o correligionário Michel Temer, vice-presidente da República, de ataques que sofreu na mesma campanha, quando foi taxado de ser satanista. "Ele sempre foi próximo de Temer e apoiou totalmente Dilma naquela campanha, agora, não creio que a situação seja a mesma."
Outro fator que desencadeou a atual crise, na avaliação de uma fonte com acesso aos líderes do PMDB, foi o projeto do PT, nessas eleições, de aumentar sua bancada em alguns locais, como o Rio de Janeiro. Se o PT conseguir a maioria na Câmara dos Deputados, o PMDB corre o risco de perder a direção da Casa e de comissões importantes. "Isso é muito mais sério do que os cargos na Esplanada dos Ministérios", disse a fonte.