Alessandra Mello, Alice Maciel e Luiz Ribeiro
O país vive uma nova realidade em relação ao combate à corrupção na gestão pública. Prefeitos envolvidos nas denúncias de desvios de recursos, que antes pareciam “intocáveis” e eternamente impunes, passaram a ser mais investigados e viraram alvo de inúmeras ações na Justiça. A população começou a conviver com a novidade: a condenação de ex-prefeitos à prisão. Mas colocá-los na cadeia e mantê-los atrás das grades são outros quinhentos. Conforme mostrou ontem o Estado de Minas, de janeiro de 2013 até agora, 55 prefeitos de 17 estados pesquisados pela reportagem foram condenados à prisão por fraudes ocorridas, na maioria das vezes, há mais de uma década. Desse total, apenas três estão atrás das grades por condenações definitivas.
Mesmo assim, poucos gestores vão para a prisão, segundo ele, porque, na maioria dos casos, a Justiça aplica penas brandas, que não acarretam detenção e permitem infinitos recursos em liberdade que demoram anos para tramitar, beneficiando os réus. O procurador observa que a legislação em vigor protege os prefeitos porque eles têm direito a defesa prévia, antes do início do processo, prerrogativa não garantida para o cidadão comum. “Atuei ao mesmo tempo em alguns casos de aposentadoria rural fraudulenta e desvio de recursos por prefeitos e ex-prefeitos. Os primeiros foram julgados com extrema rapidez, os segundos se arrastam com lentidão”, conta o procurador, que afirma sempre pedir pena que assegure a prisão. “E eu recorro até quando der.”
INCÊNDIOS Devido às garantias concedidas aos réus, o processo penal é o mais lento do Judiciário, observa o procurador da República do Maranhão, Juraci Guimarães. Além disso, segundo ele, a demora em ter sentença final está relacionada à corrupção generalizada, que faz com que os órgãos de controle e fiscalização, inclusive o Ministério Público, estejam sempre apagando vários incêndios, e à complexidade da investigação, que exige quebra de sigilo bancário, cruzamento de dados, análise de muita documentação, em alguns casos, interceptação telefônica e vistoria no local, muitas vezes longe da lotação do procurador. Também colabora para a lentidão, segundo ele, a pouca quantidade de promotores e juízes no Brasil. No Maranhão, por exemplo, são apenas 18 procuradores e 217 cidades.
“Sem contar a legislação penal, que é muito complacente com a corrupção. A pena mínima para prefeito que desvia e se apropria do dinheiro público é de dois anos. Para outros delitos, como, por exemplo, ausência de prestação de contas, a pena é de três meses e a máxima de três anos, sendo que a pena máxima, ou próxima dela, quase nunca ocorre. Chega a ser risível”, comenta. Ele lembra também que, de acordo com a legislação, a pena de menos de quatro anos de reclusão é substituída por prestação de serviços à comunidade. “Assim, nos casos de corrupção, o MPF busca sempre condenação acima desse patamar, pois entende que o crime é grave e necessita da prisão.”
AVANÇOS O chefe da delegacia da Polícia Federal de Montes Claros, Marcelo Freitas, que comandou várias operações de combate ao desvio de verbas públicas no Norte de Minas, salienta que, apesar da lentidão da Justiça e a consequente demora na aplicação das penas, há avanços na luta contra a corrupção. “Os recursos interpostos pela defesa dos acusados atrasam a efetiva aplicação das penas, mas não impedem a condenação de criminosos contumazes e que nunca deixaram de roubar dinheiro do povo”, diz. “A mudança é lenta e gradativa, mas o importante é que ela está ocorrendo”, acrescenta o delegado. “É visível a mudança no comportamento dos atuais prefeitos da região, que estão mais preocupados em não fazer coisas erradas”, acredita.
Já o promotor do Ministério Público em Montes Claros, Guilherme Roedel Fernandez, da Curadoria de Defesa do Patrimônio Publico, do Ministério Público estadual na cidade do Norte de Minas, reconhece que, apesar de todas as ações desempenhadas pelos órgãos de controle, por causa da própria lentidão da Justiça e possibilidade de recursos pela defesa dos denunciados, “o sentimento de impunidade” ainda existe, mas em menor grau do que era no passado. “Hoje, existe uma consciência de que os órgãos fiscalizadores estão melhor aparelhados, de tal forma que os gestores públicos que praticam desvios de recursos públicos devem saber que estão sujeitos a diversas formas de punição, entre elas a prisão”, diz Roedel.
Uma cidade com dois foragidos
Três ex-prefeitos de uma mesma cidade condenados à prisão, mas nenhum atrás das grades. Esse é o caso de Pirpirituba, na Paraíba, a 106 quilômetros de João Pessoa, que tem pouco mais de 10 mil habitantes. Dois estão foragidos. E uma ex-prefeita recorre em liberdade. Humberto Manoel de Freitas (PSDB) foi condenado em agosto do ano passado a quatro anos e sete meses de prisão por irregularidades durante uma de suas duas gestões (1993-1999 e 2001-2004). Ele tentou um recurso, mas foi negado e seu mandado de prisão expedido. Também está foragido José Agrício Filho (PSB), que foi prefeito entre 1997 e 2000, acusado de apropriação indébita. Ele foi condenado a cinco anos de prisão em regime semiaberto, mas está desaparecido. Sua mulher, Valdinha Matias (PMDB), que governou a cidade entre 2005 e 2008, foi condenada a cinco anos e sete meses de detenção também por irregularidades na gestão. Como a sentença foi em primeia instância, ela recorre em liberdade.
Um dos promotores que atuaram no caso, Fernando Antônio, que não responde mais pela comarca, disse que até o mês passado os dois condenados em segunda instância estavam foragidos. Segundo ele, foram expedidos os mandados de prisão, mas, até 18 de fevereiro, nenhum deles tinha sido localizado pela polícia nos endereços fornecidos por eles à Justiça. “Nesse caso, eles são considerados foragidos”, afirma. É o mesmo caso do ex-prefeito de Marcos Parente, cidade do Piauí, Juraci Alves Guimarães (PTB). Condenado a nove anos e quatro meses de prisão em regime fechado por crime de improbidade administrativa, até hoje ele não foi encontrado para cumprir a pena.