Do total de 1.681 processos com o teor da decisão pendente de publicação, 737 são de processos originários, aqueles de competência inicial do próprio STF, como as ações declaratórias de constitucionalidade (ADC) e ações diretas de inconstitucionalidade (Adin), e 944 são decorrentes de recursos que chegaram ao Tribunal.
O problema ocorre porque os ministros, em geral, não liberam os votos degravados pelos técnicos da Casa sem revisá-los. Como a revisão não é feita, o voto não sai dos gabinetes da maioria. Conforme o Regimento Interno do STF, o acórdão deve ser publicado em, no máximo, 60 dias, salvo se houver motivo justificado. O mesmo regimento estabelece que “os gabinetes dos ministros liberarão o relatório, os votos escritos e a transcrição da discussão no prazo de 20 dias contados da sessão de julgamento”. Caso isso não ocorra, a íntegra do acórdão deve ser publicada com a tarja “Sem revisão”.
Caberia ao presidente do STF, Joaquim Barbosa, exigir o cumprimento do regimento. Cobrado, porém, não se manifestou. A única informação, extraoficial, obtida pela reportagem é que o julgamento da ação do mensalão, iniciado em 2012 e que terminou na semana passada, praticamente parou o tribunal. Uma das consequência é que 800 processos, com relatório concluído, estão prontos para entrar na pauta de julgamento.
“O acórdão é o documento da decisão proferida, é o que estampa o pronunciamento do tribunal, composto dos votos proferidos. É uma peça importantíssima. O atraso na sua publicação é um problema crônico da Corte”, reconhece o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, que está em dia com a revisão de seus votos e com a relatoria de processos a serem julgados.
REPERCUSSÃO Levantamento feito pela reportagem apontou que a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 4, que tratou de um tema polêmico sobre a atuação de juízes na concessão de liminar em causas envolvendo a cobrança de impostos contra a Fazenda Pública, está à espera do acórdão desde 1º de outubro de 2008. A ADC foi proposta pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em março de 2004, no primeiro dos dois mandatos do tucano. O PT já está completando o terceiro ano no poder e a íntegra dos votos ainda não foi divulgada.
A sociedade, as escolas de direito, magistrados e advogados também estão há mais de dois anos sem saber a base jurídica firmada pelos ministros do STF em outros temas de ampla repercussão, como a Lei Maria da Penha e o sistema de cotas para negros nas universidades públicas. Em fevereiro de 2012, o plenário da Corte julgou duas ações a respeito da violência doméstica contra a mulher, uma declaratória de constitucionalidade de dispositivos da norma, e outra de inconstitucionalidade.
Ficou decidido que as ações penais acerca desses crimes não têm que ser abertas obrigatoriamente mediante queixa (representação) da vítima, como a Lei Maria da Penha dispunha. Basta que a polícia ou o Ministério Público tenham conhecimento para que se dê andamento ao respectivo processo penal, mesmo que a vítima não dê queixa ou a retire posteriormente.
A pedido da Presidência da República, a Corte decidiu também, no mesmo dia, que é constitucional o dispositivo que exclui os crimes abrangidos pela Lei Maria da Penha de serem julgados pelos Juizados Especiais de Pequenas Causas até que estes sejam reestruturados como Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. A competência é das varas criminais. “São entendimentos da mais alta relevância”, afirma o ministro Marco Aurélio, que relatou as duas ações e não se conforma com o fato de o teor dos julgamentos ainda não terem sido publicados.
DÚVIDAS Em princípio, a divulgação do posicionamento do plenário do STF pode ensejar o cumprimento do que foi decidido. Porém, isso nem sempre é simples. É necessário, diz Mello, conhecer os parâmetros da decisão e o seu alcance para que seja efetivamente cumprida nos termos firmados pelo STF. Além disso, dos julgamentos em geral cabem embargos de declaração, como ocorreu no processo do mensalão, para dirimir contradições, omissões e obscuridades, o que pode alterar, em alguma medida, o teor da decisão.
Para o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) Aldemário Araújo Castro, presidente da Comissão da Advocacia Pública, a não publicação dos acórdãos “é a negativa da prestação jurisdicional”. O STF, diz, está ferindo a própria Constituição. Ele lembra que, na reforma do Judiciário de 2004, a Emenda 45 incluiu dispositivo prevendo a “razoável duração” dos processos.
“O principal tribunal do país é o que está dando o pior exemplo”, critica. Procurador da Fazenda Nacional de carreira, Castro comenta que, em matéria tributária, a falta de publicação do teor das decisões dos ministros da mais alta Corte do país gera situações “extremamente inseguras”. Muitas vezes, diz, é preciso recorrer a informativos do STF sobre as sessões. “Além de não poder recorrer da decisão, não se pode usá-la como paradigma para outros processos.”
O criminalista Alberto Toron avalia que cabe ao presidente do STF tomar providências para evitar os atrasos, sobretudo agora, que a publicação não depende mais da impressão nos custosos cadernos do Diário da Justiça, uma vez que tudo é digital. “Em plena era da tecnologia, é assustador que se demore tanto para dar um clic”, ironiza.
Na fila
Causas de repercussão com publicação pendente
Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.424
» Inconstitucionalidade da norma que exige representação da vítima em caso de violência doméstica. A Procuradoria Geral da República pediu que crimes de violência doméstica contra a mulher, mesmo que de caráter leve, sejam processados pelo Ministério Público mediante ação penal incondicionada, ou seja, independentemente de representação da vítima.
Julgada em 9 de fevereiro de 2012
Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 19
» Constitucionalidade do dispositivo que exclui os juizados especiais de apreciar causas envolvendo violência doméstica.
Julgada em 9 de fevereiro de 2012
Cotas raciais nas universidades
Recurso Extraordinário (RE) 597.285/RS, com Repercussão Geral
» Constitucionalidade do sistema de cotas raciais para ingresso em universidade pública.
Julgado em 9 de maio de 2012
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186/DF
» Constitucionalidade do sistema de cotas raciais para ingresso em universidade pública.
Julgada em 9 de maio de 2012
Plano de saúde dos servidores públicos
Mandado de Segurança 25.855
» Legalidade do julgamento do Tribunal de Contas da União ocorrido em 2004, que mandou desinchar a Geap, fundação privada que administra o plano de saúde de servidores públicos federais, cancelando todos os convênios feitos com órgãos públicos, mantendo somente os quatro originários (ministérios da Saúde e da Previdência, Dataprev e INSS.
Julgado em 20 de março de 2013
Sonegação tributária
Recurso Extraordinário 550.769/RJ
» Constitucionalidade da cassação de registro especial de funcionamento de indústria em razão do descumprimento contumaz de obrigações tributárias.
Julgado em 22 de maio de 2013
Juridiquês/português
Acórdão
É uma decisão tomada em segundo grau ou instâncias superiores por um colegiado de um tribunal em um processo. Enquanto a sentença é a posição de apenas um juiz, na primeira instância, o acórdão é o resultado dos votos de mais de um julgador, seja uma posição unânime ou não. A decisão, porém, só produz todos os seus efeitos jurídicos a partir da publicação no Diário da Justiça Eletrônico.