Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o deputado que tira o sono da presidente Dilma Rousseff há pelo menos um ano, resolveu, no meio de mais um tiroteio com o governo, passar o carnaval em Veneza, na Itália. A placidez da histórica e submersa cidade italiana não foi suficiente para amainar o sangue quente do flamenguista. Ele não resistiu e resolveu, pela internet, espinafrar o presidente do PT-RJ, Washington Quaquá, chamando-o de pilantra. “Pelo amor de Deus. As gôndolas de Veneza são uma das coisas mais românticas do mundo. E você perde tempo respondendo o Quaquá? O Quaquá, Cunha”? , provocou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
É mais um traço dos epítetos — arrogante, truculento, inteligente e preparado — que o líder do PMDB na Câmara incorporou ao seu portfólio: ele se recusa a levar desaforo para casa. E vai, ao longo de sua trajetória, colecionando uma legião de adversários, desafetos, inimigos, que rogam pragas e recebem as respostas no mesmo nível, nem sempre publicáveis ou pronunciáveis. “Ele é rancoroso e guarda mágoa. Pior, prepara para se vingar no momento mais apropriado. O Cunha sabe esperar para reagir”, admitiu um especialista em PMDB.
O peemedebista não rejeita o rótulo. Pelo contrário, faz questão de reforçá-lo. “Eu sou uma pessoa que tem opinião. Quem age assim, gera controvérsias. Quem gera controvérsias, ganha admiradores e inimigos. Faz parte”, minimizou ele. “Peço apenas que meus inimigos tenham generosidade e meus amigos, humildade para me suportar”, filosofou ele. Suportar Eduardo Cunha não tem sido nada fácil para o Planalto.
Durante a gestão na liderança do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha tem exacerbado outra de suas características: a disposição para estudar os projetos em tramitação. E a capacidade de defender com afinco os interesses de grupos privados, mesmo quando seus adversários juram existir interesses escusos por trás do lobby. Ele não liga. Não mesmo. Durante a MP dos Portos, sangrou o governo por dois dias ao longo de 40 horas, na mais longa votação ocorrida na Câmara dos Deputados.
Quando a MP chegou ao Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), teve de rasgar o regimento interno e aprovar o texto em meio dia. O parlamentar, por sinal, não esconde de ninguém que não gosta de Eduardo Cunha — a recíproca também é verdadeira. São dois políticos que têm ojeriza um do outro por se enxergarem com capacidade de liderar grupos. “É puro ciúme do Renan. Ele sabe que Cunha é um rival com poder de fogo para causar estragos e dividir o protagonismo de chantagear o Planalto”, confessou um renanzista de carteirinha.
Alcunha palaciana
Vem dessa época o apelido recebido por Cunha no Palácio do Planalto: meu malvado favorito. A referência diz respeito a uma animação em 3D em que o personagem principal, Gru, morre de inveja porque alguém resolveu roubar uma das pirâmides do Egito. Megalomaníaco e disposto a tornar-se o maior vilão da história, ele decide que a melhor estratégia seria roubar a Lua. O plano fracassa pela falta de investidores.
Evangélico, casado e pai de quatro filhos, Cunha não tem problema em conseguir dinheiro. Na página do TSE consta que recebeu R$ 4,76 milhões em doações para a campanha de 2010. Isso representa mais de cinco vezes a média de doações feitas aos outros 10 parlamentares mais bem votados na bancada fluminense, incluindo nomes como o do ex-governador, ex-aliado e agora grande desafeto, Anthony Garotinho (R$ 2,57 milhões), e do o ex-jogador Romário, que arrecadou R$ 308 mil naquele ano.
Formado em economia, Cunha, 55 anos, transita com desenvoltura entre as empresas de telecomunicações (foi presidente da Telerj); setor elétrico e fundos de pensão e mineradora, setores que, tradicionalmente, são generosos nas doações de campanha, mas cobram faturas pesadas depois. Para defender os próprios interesses, não mede esforços. Atrasou, ainda em 2007, a aprovação do relatório da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) na Comissão de Constituição e Justiça enquanto não emplacou o aliado Luiz Paulo Conde na presidência de Furnas. O governo acabou sendo derrotado no Senado.
Cargos na mesa
No início do governo Dilma, comprou outra briga para controlar o Fundo de Pensão Real Grandeza, administrador de um patrimônio de R$ 10 bilhões dos servidores de Furnas. Dilma resolveu comprar a briga e fez uma limpeza dos apadrinhados do PMDB no setor. Então líder da bancada, Henrique Alves (RN) ameaçou entregar os demais cargos do PMDB. “Então entrega”, respondeu Antônio Palocci, à época chefe da Casa Civil. O PMDB esta aí até hoje.
Cunha cresceu ainda mais de lá para cá e mostrou que é capaz de comandar uma bancada de 250 parlamentares, o blocão. “Ele está ficando vaidoso, o que sempre é um perigo. A vaidade mata a pessoa”, disse um petista. “Não sou vaidoso, não tenho ambições. Gosto de ser deputado”, resumiu. Há quem diga que ele quer mais: virar presidente da Câmara em 2015. Para isso, estimularia, informalmente, segundo integrantes do baixo clero, que Henrique seja candidato ao governo do Rio Grande do Norte em outubro.
“Fazem isso para me intrigar com o Henrique. Ele foi líder da bancada durante sete anos e só me candidatei quando o cargo estava vago”, retrucou. Durante reunião da bancada na semana passada, o deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), antigo adversário na disputa pela liderança do PMDB, virou para Cunha e disse: “Você é o presidente que esta Casa precisa”. Há um ano, o mesmo Mabel entrou com uma representação no Supremo Tribunal Federal alegando que a eleição de Cunha para a liderança da bancada tinha sido fraudada. “Bobagem, isso já passou”, desconversou o parlamentar goiano.