Brasília – O governo cedeu mais ainda no Marco Civil da Internet para garantir a votação do projeto na semana que vem. Conseguiu assegurar a manutenção da neutralidade da rede, como queria, mas o decreto presidencial que definirá as exceções e os termos técnicos terá de se ater ao texto do Marco Civil. E, ainda, deverá ser submetido ao crivo do Comitê Gestor da Internet (CGI) e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
A alteração se dará com a retirada, no projeto, do termo “decreto”, substituído por “de acordo com o que prevê a Constituição”. Na prática, a presidente Dilma Rousseff continuará com o mesmo instrumento legal para definir os critérios técnicos e as exceções à neutralidade, mas este será bem menos amplo, pois precisará se ater à legislação do setor que será aprovada pelo Congresso. Além disso, o Comitê Gestor da Internet (CGI) e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) terão de analisar e aprovar o decreto antes que a norma entre em vigor.
A modificação foi acertada na manhã de ontem, após uma reunião de quase quatro horas na Presidência da Câmara, com a presença do colégio de líderes, além dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. “A regulamentação por decreto é um poder que jamais poderia ser tirado do Executivo, mas, para que não haja dúvida, estamos construindo um texto em que o decreto será construído em estrita consonância com a lei”, considerou Cardozo.
O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), tentou minimizar a alteração, embora o governo tenha dito, ao longo das últimas semanas, que a questão da neutralidade era um tema inegociável. “A Constituição Federal determina que o governo faça o decreto. Havia uma preocupação de isso caracterizar poder excessivo, mas o ministro concordou em se produzir uma redação ‘induvidosa’”, afirmou o petista. Para Chinaglia, o “demonizado” termo decreto será retirado do debate. “Está se tirando o símbolo de uma batalha de Itararé. Se a Constituição garante a regulamentação, não creio que alguém queira atropelá-la”, prosseguiu ele.
O líder do PSD na Câmara, Moreira Mendes (RO), contudo, considera mais seguro o desfecho das negociações, principalmente porque a redação do novo decreto precisará passar pelo crivo da Anatel e do CGI. “Do contrário, seria um cheque em branco para o governo”, afirma. “A Câmara encontra agora um ponto de convergência para discutir (ontem) a matéria e votar na semana que vem”, acrescentou Moreira.
Embora tenha flexibilizado ainda mais o projeto, o governo não conseguiu votar ontem o Marco Civil da Internet. A postura dos líderes aliados e da ministra Ideli Salvatti de insistir na apreciação da proposta provocou mal-estar na Câmara. “O Legislativo não pode ser pautado pelo Executivo”, afirmou o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE). Os deputados iniciaram ontem a discussão do projeto em plenário e a votação acabou marcada para terça-feira. “Preparem-se para uma longa votação, similar à MP dos Portos”, recordou o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), referindo-se à uma sessão do ano passado que durou 40 horas.
Bancada do PMDB
O Planalto afirma que, ao manter a neutralidade na rede, neutralizou a ação do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), que estaria fazendo o jogo das teles, ao defender que o debate fosse travado unicamente na Anatel. O governo já havia aberto mão do artigo que tratava dos datacenters, definindo que os dados transmitidos pelas empresas de internet estrangeiras não precisam ficar armazenados no país, desde que essas respeitem a legislação brasileira.
Ontem à tarde, após a definição do acordo, Cunha reuniu a bancada do PMDB. O líder afirmou que os peemedebistas estão bastante divididos. Mas adiantou que não haverá a liberação da bancada, prevalecendo o que decidir a maioria, após a consulta aos demais partidos do blocão (PR, PTB, PSC, além da oposição). Ele admitiu que parte da bancada ainda defende o voto contrário à totalidade do projeto – estratégia definida pelo PMDB antes das recentes negociações – mas que uma “boa parte já aceita mudar de posição”. Mas assegurou que a decisão colegiada do blocão vai influenciar diretamente nessa decisão, inclusive sobre a conveniência de apresentar destaques ao texto principal.