Do lado oposto ao movimento de memória, justiça e verdade que pretende esclarecer os detalhes da ditadura cívico-militar iniciada no país em 1964, grupos ultraconservadores reeditam hoje a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Será uma comemoração às cinco décadas da passeata, que, naquele ano, rebateu a mobilização empreendida pelo presidente João Goulart. Eles sairão da Praça da República até a Praça da Sé, pela Barão de Itapetininga, em São Paulo. A expectativa é que outras capitais também promovam passeatas semelhantes.
A manifestação percorrerá o mesmo trajeto de 19 de março de 1964, quando versões históricas apontam que meio milhão de pessoas marcharam contra o comunismo, convocadas principalmente pelo então governador de São Paulo, Adhemar de Barros. Pesquisadores e estudiosos do período estimam o público em 200 mil. Hoje, com base em imagens da época, calcula-se que foram pouco mais de 100 mil pessoas. A organização do ato pretende reunir 5 mil manifestantes, a partir das 15h.
Ao contrário de algumas especulações, para uma das organizadoras do ato, Cristina Peviani, de 51 anos, a marcha não pede a instituição de uma ditadura. “Estão falando que a gente está querendo uma ditadura militar. De forma alguma se trata disso. É uma homenagem ao aniversário de 50 anos de uma data histórica muito bonita”, explica. Ela argumenta que atualmente o país vive tempos difíceis. “O marxismo está aí, estamos vivendo no comunismo. Precisamos evitar a cubanização do Brasil”, aponta. Celso Brasil, de 56 anos, também faz parte da organização da Marcha da Família. Ele classifica o movimento como conservador por excelência. “Queremos conservar as cores da nossa bandeira, para que ela não se torne vermelha”, exemplifica.
“Resgate” De acordo com ele, o Brasil passou por um momento de desenvolvimento e fortalecimento com o regime militar e hoje está em declínio. “Estamos nos mobilizando no contragolpe da ditadura gramscista, como em 1964”, diz. Celso Brasil explica que existem, entre eles, pessoas que defendem a intervenção militar e outra vertente que levanta a bandeira da intervenção constitucional. “Temos instrumentos legais para isso”, afirma. Para os organizadores, a repressão como é colocada hoje só existiu para uma parcela da população. “A mão de ferro era contra os terroristas, não contra o cidadão de bem. Prepararam a juventude para acreditar numa ditadura. Queremos resgatar a verdadeira história”, diz Celso Brasil.
Na visão da historiadora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Carla Ferrete a reedição da marcha demonstra a retomada de interesses conservadores e antidemocráticos. “Não é a mesma marcha, a de 1964. Estamos em um contexto diferente, mas revela que na nossa sociedade existem grupos que se organizam, não são majoritários, mas podem assumir um crescimento preocupante de antidemocráticos”, afirma. Para a professora, o movimento usa instrumentos inerentes à democracia para sugerir o autoritarismo.