Cassado. Traído. Achincalhado por adversários políticos. Abandonado por alguns ex-aliados, Juscelino Kubitschek partiu para o exílio na Europa em 13 de junho de 1964. Foram abertas as páginas mais cruéis da biografia de um dos maiores estadistas deste país. Estava banido da vida política. Começava ali um período em que as cartas aos familiares, amigos e correligionários tornaram-se o único e possível meio de comunicação. Perseguido e vigiado mesmo no exterior, centenas de envelopes lacrados cruzaram o Atlântico, sempre confiados a portadores.
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Nas longas descrições de sua rotina de exilado, há também um homem crente de que, "no dizer dos astrólogos", 1964 seria a sua "casa do inferno". A virada de 1965 era esperada como o ano da libertação do jugo militar que, naquele momento, acreditava, seria temporário. "Este Brasil pode aceitar um freio momentâneo. Mas acabará por se libertar. E voltará então a alegria. As campanhas políticas não serão um brado de desespero, mas terão, como aquelas que chefiei, a sonoridade das canções folclóricas que instilavam no povo vontade de viver e de trabalhar", escreveu JK em 27 de outubro de 1964 ao amigo médico e compadre Joaquim Mendes de Souza, ex-deputado federal pelo PTB.
Nesta nova reportagem da série sobre os 50 anos do golpe militar, o Estado de Minas mostra o teor das cartas ao casal Bertha e Joaquim Mendes de Souza, nunca publicadas, entre outras aos familiares e aliados políticos que o ex-presidente da República mandou ao Brasil nos primeiros meses de seu exílio.
Paris, 27 de outubro de 1964, outono mais frio dos últimos 50 anos. "Vim para o meu escritório tiritando (…) estamos simplesmente começando a estação do gelo. Até maio não se verá céu, não teremos uma estrela para iluminar noites tristes e já às 10 horas da manhã começamos a trabalhar com todas as luzes acesas." A capital da França, onde JK viveu na juventude para a especialização médica, se tornara, aos olhos do ex-presidente da República, uma cidade triste. E o francês, no contexto daqueles anos que antecederam a eclosão dos movimentos de 1968, mais irritadiço e intolerante. "Descobri, agora, uma coisa: Paris é uma cidade bonita, mas muito triste.
Com a ditadura no Brasil, descerrava-se uma era de tristeza e medo, considerou JK ao casal de amigos. "A violência, instituída em forma de governo pelos mandantes atuais do Brasil, fez descer sobre a nação um manto de desesperança e de medo (...) O temor substitui a dignidade e todos se entreolham, esperando sempre o pior (…) Deus que ajude o Brasil a se livrar de semelhante método". Triste, lembrando-se de sua terra, no trópico, "gerador de calor", onde o frio não é inimigo e o povo "vive solto e livre" nos sertões, nas planícies e nos vales, JK, no entanto, ainda alimenta esperança de dias melhores: "Creio muito na força do povo brasileiro.
Derrotado nas urnas em 3 de outubro de 1965, principalmente em Minas Gerais e na Guanabara, o governo militar editou o Ato Institucional 2, em 27 de outubro de 1965, que acabou com as eleições diretas para presidente da República. O sonho da campanha JK 65 jamais se concretizaria. O político mineiro ficou em Paris até fecharem-se as urnas das eleições ao governo de 11 estados. Desembarcou no Brasil em 4 de outubro de 1965. Foi um curto retorno, por pouco mais de um mês.
Submetido a humilhantes inquéritos policiais militares (IPMs), JK voltou a deixar o país, desta vez para Nova York. "Estava sendo vigiado pelo governo Charles de Gaulle, que mantinha agentes em um apartamento em frente ao seu", conta Carlos Murilo Felício dos Santos, seu primo, amigo e ex-deputado federal pelo PSD. "Só depois entendemos por que meu pai preferiu se instalar em Nova York", revela Maria Estela Kubitschek. Em 1966, de Nova York, Juscelino foi para Lisboa. "Os gregos, quando inventaram o exílio, sabiam o tipo de tortura que estavam criando", disse o ex-presidente à filha Maria Estela. Sofrimento, dor, saudades das pessoas e do Brasil. "Nas cartas carregadas de emoção JK estava, na verdade, escrevendo capítulos de sua história", conta a filha.
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