No final da década de 1960, duas organizações – o Comando de Libertação Nacional (Colina) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) – tramaram o assassinato de Gary Prado, o militar boliviano responsável pela prisão de Che Guevara na Bolívia. Quando Che foi assassinado, em outubro de 1967, os algozes do revolucionário argentino – que foi um dos comandantes da Revolução Cubana, em 1959, e estava na selva boliviana tentando implementar um foco guerrilheiro – se tornaram os alvos prediletos das organizações de esquerda. Afinal, o principal ícone e espelho de todos aqueles que brigavam para derrubar os governos militares havia sido assassinado.
Do outro lado do espectro ideológico uma trama de morte também deu errado. O plano quase levado a cabo pelo o ex-delegado do Departamento de Ordem Político Social (DOPS) do Espírito Santo, Cláudio Antônio Guerra, era matar o ex-governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola (PDT), um ícone da resistência ao golpe, que havia voltado ao país com anistia e preparava sua candidatura para o governo do Rio de Janeiro.
As "duas mortes" de Gary Prado
A primeira tentativa de matar Gary Prado foi de militantes do Colina. Quem conta a história é o professor da Universidade Católica de Salvador (UCSAL) Amilcar Baiardi, de 72 anos, que tinha 26 em 1968. "O Gary Prado veio fazer um curso do Estado Maior do Exército", lembra.
Amilcar já havia feito mestrado profissional na Colômbia e trabalhava em Salvador, onde vivia uma vida dentro da legalidade, apoiando os movimentos, mas sem ser clandestino. Ele conheceu em 1967, em Porto Alegre, onde morou, um dos líderes do Colina, João Lucas Alves, que foi à cidade dar treinamento militar, e ouviu dele: "Nós vamos vingar o Che". Passados alguns meses, se encontrou novamente com João Lucas, que lembrou da conversa e pediu que ele fosse para o Rio de Janeiro.
João Lucas encarregou Amilcar de ser o responsável pela redação do documento comunicando a nação e as outras organizações da América Latina da execução de Gary Prado. Amilcar foi para um aparelho de olhos vendados (como eram chamados os apartamentos usados pelas organizações) e começou a rabiscar o que seria o comunicado. Enquanto isso, João Lucas e mais dois militantes (Severino Viana Colon e José Roberto Monteiro) partiram para execução, confiando nas informações passadas por um agente infiltrado no comando do Estado Maior.
"O soldado avisou que ele (Gary Prado) passaria em uma rua do Botafogo", recorda Amilcar, que não faz ideia de quem era o agente infiltrado. Porém, a informação era errada e os três fuzilaram o major do exército alemão, Edward Ernest Tito Otto Maximilian Von Westernhagen, que também fazia o curso do Estado Maior. O erro foi descoberto no aparelho, quando olharam os documentos na pasta que Edward carregava. Amilcar lembra que fizeram um pacto de silêncio e o mistério sobre a morte do alemão (que havia lutado com os nazistas na Segunda Guerra Mundial) permaneceu até 1985, quando ele revelou a trama para o historiador Jacob Gorender (1923-2013), que escrevia o clássico livro Combate nas trevas (Editora Ática, 1985).
João Lucas e Severino Viana foram assassinados na prisão, após serem brutalmente torturados. José Roberto também foi preso, mas sobreviveu e morreu anos depois em um acidente de carro. "Foi uma frustração não ter vingado o Che", avalia Amilcar.
Outro pretenso vingador de Che pensa diferente. Um dos líderes da VPR, Wellington Moreira Diniz, acredita que se o plano arquitetado pela organização tivesse dado certo a história seria diferente. O plano, aliás, incluía o sequestro de Gary Prado e também do então vice-presidente do país, o Almirante Augusto Rademaker, que meses depois fez parte da trinca que governou o Brasil, quando Costa e Silva se afastou do cargo.
"Pensa o tamanho da pancada no país que tem o vice-presidente sequestrado e o cara que matou o Che também. Pensa que naquele momento o pleno poder era dos militares. Sequestrar o vice-presidente e o símbolo da direita e do imperialismo que era o Gary Prado teria influenciado um movimento mundial", acredita Wellington, de 67 anos.
Wellington é, provavelmente, o militante com o maior número de ações armadas entre todas as organizações. É acusado pelos inquéritos militares de 38 assaltos, entre bancos, quartéis e automóveis, e de ter matado 12 pessoas em ações de resistência à ditadura. Foi ainda o responsável pela segurança do líder da VPR, o capitão Carlos Lamarca, e fez parte do grupo que roubou US$ 2,598 milhões (R$ 15 milhões) do cofre da amante do político Adhemar de Barros.
Em 1969 ele estava escalado para morar em um sítio na área da reserva de Tinguá, em Petropólis, na região serrana do Rio de Janeiro. Vivia com uma companheira e se passava por sitiante.
Porém, quando a organização ia se reunir para decidir os passos finais das ações o plano deu errado. "Eu era o comandante da segurança e fui verificar o local do encontro. Quando entrei, os militares estavam lá", lembra. Wellington tentou resistir, trocou tiros com os militares, mas foi preso e o plano do sequestro ruiu. O objetivo era trocá-los por militantes presos, como foi feito meses depois pelo Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e pela Aliança Libertadora Nacional (ALN), que sequestraram o embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick. "O Gary Prado ia dançar. Acidentes acontecem. Ele ia tropeçar e cair", confessa Wellington, dando a entender que o responsável pela morte de Che seria executado. .