Uma vila que não existe formalmente pode se transformar em obstáculo para a duplicação da BR-381, que liga Belo Horizonte a Governador Valadares, a chamada Rodovia da Morte. Com aproximadamente 1,5 mil famílias, que usam ligações clandestinas para receber água e energia elétrica em casa, a Vila da Luz, localizada na junção da rodovia com o Anel Rodoviário de BH, será removida para a duplicação da 381. Os primeiros contatos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) com os moradores para negociar o pagamento de indenizações, porém, não indicam a possibilidade de acordo, ao menos por enquanto.
Na segunda-feira da semana passada, o Dnit divulgou o aviso de licitação para o trecho em que se encontra a Vila da Luz, o chamado Lote 8B, que vai do quilômetro 445 ao 458,4 da BR-381. O percurso é o último dos 11 em que os 303 quilômetros da estrada foram divididos a ter a licitação anunciada. Pelo projeto, as famílias serão transferidas para imóveis cuja construção ficará a cargo da empresa vencedora da concorrência.
O mecânico José Teixeira da Cruz, que há 10 anos mora e mantém uma oficina na vila, afirma que só sai se lhe proporcionarem as mesmas condições de vida que tem hoje. “Quero sair sim, porque me cansei de ver gente morrendo nessa rodovia. Mas só mudo se o local que me oferecerem for igual ao que tenho aqui”, afirma. José mora com a mulher, Maria Neusa Barbosa da Cruz, em um pequeno apartamento que fica em cima da sua oficina. Conforme o casal, a última visita de representantes do poder público para falar sobre a desapropriação ocorreu no fim do ano passado. “Pegaram nome, fizeram fotografias e foram embora”, comenta.
Desempregado, Beneth Aparecido da Rocha, que também mora na vila há cerca de 10 anos, diz que só sai da casa em que vive com a mulher, Maiara Rodrigues, se for para ir para outra casa. “Criamos galinhas e não podemos morar em apartamento”, argumenta. O casal conta que o Dnit teria falado em pagar indenizações no valor de R$ 40 mil. “Isso não dá para comprar nada”, reclama Maiara. A residência do casal, e também a oficina de José Teixeira, ficam no que pode ser considerado o acostamento da rodovia. Não há separação entre a pista e a entrada dos imóveis.
MANIFESTAÇÃO Um boato que circula na região é que o Dnit já teria o dinheiro para pagar as indenizações às famílias que serão retiradas da vila. “É o que dizem por aqui. E posso garantir que, caso não tenha uma solução rápida para o nosso caso, vamos fazer uma manifestação que vai parar a estrada por muitos dias”, ameaça um dos moradores da vila, o trabalhador do setor de construção civil Roberto Vidigal. A família da dona de casa Maria Goreti de Almeida também reclama da demora nas negociações para indenização. “Tem muitos acidentes por aqui”, diz sua neta, Patrícia Marques de Almeida, de 11 anos, dos quais 10 vividos na Vila da Luz. Maria Goretti tem cinco netos. Todos têm que atravessar a rodovia para ir à escola. A passarela mais próxima fica a cerca de 600 metros da vila.
A maior parte dos moradores da região nega que tenha invadido a área em que moram e, como o aposentado José Gomes Pereira, afirmam ter comprado o terreno. Ele e a mulher moram na Vila da Luz há 16 anos. Todo o terreno da região, ao menos oficialmente, é área pertencente ao Dnit. A vila começou a ser erguida há cerca de 20 anos. A maior parte dos moradores da região saiu de cidades da Grande BH e de morros da capital. Procurado pela reportagem, o Dnit não respondeu às perguntas enviadas sobre o planejamento envolvendo o pagamento de indenizações e retirada dos moradores da Vila da Luz.
HISTÓRICO A remodelagem da BR-381 é uma obra marcada por polêmicas. Do total do percurso entre Valadares e Belo Horizonte, 215 quilômetros serão duplicados. O restante passará por adequações como construção de terceiras faixas. A informação é do próprio Dnit, que deu explicações sobre o projeto em sua página na internet. Apesar de a BR-381 nos últimos 30 anos ter se transformado em uma das rodovias mais perigosas do país, principalmente no trecho entre a capital e João Monlevade, a duplicação da estrada só ganhou algum impulso no ano passado, com a licitação dos 11 lotes. Em quatro deles houve problemas com o preço, que ficou acima do previsto pelo governo, incluindo o Lote 8B, e por isso passarão por nova concorrência.