Brasília – Na madrugada de 31 de março de 1964, o general Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, tomou a decisão mais estratégica para o sucesso do golpe de 1964. Sozinho, com suas ambições e seu cachimbo, decidiu movimentar tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro e pagar para ver se o “dispositivo militar” do ministro da Guerra, o general Assis Brasil, seria realmente capaz de manter o presidente João Goulart no poder. O primeiro a saber na cúpula da conspiração foi o chefe do estado-maior do Ministério da Guerra, general Castelo Branco, que a essa altura da crise militar que se abatera sobre o governo já estava disposto a depor o presidente da República.
A primeira providência de Castelo Branco foi comunicar o fato ao comandante do 2º Exército, o general Amaury Kruel, até então um legalista, no qual o presidente João Goulart confiava porque dera um emprego ao seu filho, em Nova Orleans, no antigo Loyd Brasileiro. Kruel tratou a notícia como uma quartelada sem importância. A segunda foi ligar para o comandante da Infantaria Divisionária de Minas, em Belo Horizonte, general Carlos Luiz Guedes, que fazia parte da conspiração, e pedir para que o movimento não fosse precipitado. A resposta foi de que já era tarde. Castelo mandou o mesmo recado para o governador de Minas, Magalhães Pinto, mas político mineiro já estava articulado com o embaixador norte-americano Lincoln Gordon e apostava no golpe para chegar à Presidência da República.
Especial sobre o 50 anos do golpe militar
O general Assis Brasil estava confiante de que seu “dispositivo militar” seria capaz de conter os revoltosos, mandou fechar o aeroporto de Brasília e a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Controlava a Vila Militar, em Deodoro, onde estavam concentradas as principais tropas do país.
Deslize no Rio
A ação de Mourão Filho estava sendo beneficiada por um erro do presidente João Goulart, que havia comparecido à sede do Automóvel Clube, no dia 30, para discursar numa assembleia de sargentos, ao lado do famoso Cabo Anselmo, líder de outro episódio que incomodou a oficialidade militar: a revolta dos marinheiros. Desde o comício da Central do Brasil, em 13 de março, o presidente da República subira o tom de seus discursos, cada vez mais à esquerda. Setores conservadores, a Igreja e a imprensa passaram a apoiar abertamente a deposição do presidente. No encontro com os sargentos, Jango atribuíra a crise econômica que atravessava o país a “uma minoria de privilegiados”. E conclamara os sargentos a apoiarem o seu governo, independentemente dos setores da oficialidade que os acusavam de quebra da hierarquia e disciplina.
A atitude de Jango teve um efeito corrosivo nas Forças Armadas. Deixou o terreno livre para os conspiradores. Políticos de oposição, principalmente o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, e de Minas Gerais, Magalhães Pinto, estavam em contato direto com a embaixada dos Estados Unidos, cujo presidente, Lyndon Johnson, já havia determinado o deslocamento de uma força naval para dar apoio aos conspiradores em caso de um confronto armado. Na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, um grupo de oficiais decidiu tomar o Ministério da Guerra, que foi parcialmente ocupado. No final da tarde, as tropas de Mourão Filho estavam na divisa de Minas com o Rio de Janeiro. Foram sobrevoadas por um caça da Base Aérea de Santa Cruz, comandado pelo então coronel-aviador Rui Moreira Lima, herói da FAB, que recebera ordens de não atirar contra as tropas. O “dispositivo militar” de Jango começava a se desarticular; no dia seguinte, seria deposto.
31 de março de 1964
Liderada pelos governadores de Minas Gerais, Magalhães Pinto; de São Paulo, Adhemar de Barros; do Paraná, Ruy Braga; e da Guanabara (RJ), Carlos Lacerda, ação de políticos de apoio ao movimento militar é intensa. O senador Moura Andrade, presidente do Congresso Nacional, dá o tom aos demais parlamentares, classificando o governo Jango como uma “agressão frontal à Constituição, que precisa ser repelida”.
Como resposta à rebelião militar iniciada em Minas, o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), união de sindicatos que apoiavam Jango, inicia as movimentações para uma greve geral em apoio ao presidente com a paralisação da Central do Brasil, o Porto de Santos e os bondes da Guanabara.
Os Estados Unidos, hoje reconhecidos como parte dos articuladores do golpe, declaram, por meio do Departamento de Estado, que acompanham “cuidadosamente e com preocupação” a crise brasileira..