Jornal Estado de Minas

Ministra e senadores defendem revisão da anistia

Nos 50 anos do golpe militar, manifestações foram realizadas em vários estados brasileiros

Leonardo Augusto
Manifestação lembra os torturados na sede do DOI-Codi em São Paulo, local onde teriam sido assassinados 46 presos políticos, incluindo o jornalista Vladimir Herzog - Foto: Marcos Alves/Agência O Globo

Nos 50 anos do golpe militar no Brasil, partiram do governo federal e de senadores as declarações mais contundentes em defesa da revisão da Lei da Anistia no país. A ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Eleonora Menicucci, afirmou nessa segunda-feira, em Belo Horizonte, que o país tem democracia e instituições fortes capazes de suportarem uma alteração na lei. A ministra, assim como a presidente Dilma Rousseff (PT), foi torturada pelos militares durante a ditadura. Em São Paulo, cerca de 400 pessoas foram às ruas ontem exigir a punição de torturadores e assassinos.

O Supremo Tribunal Federal julgou improcedente, em 2010, alterar a legislação. O processo, no entanto, ainda não teve concluída a fase dos embargos declaratórios, o que deixa aberta a possibilidade de revisão. Segundo o secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, qualquer alteração na lei caberá ao Poder Judiciário. “Tudo vai depender do julgamento dos embargos declaratórios e das respostas que serão dadas às ações cíveis e criminais que estão sendo impetradas pelo Ministério Público Federal”, afirmou. Abrão e Eleonora descartaram a possibilidade de qualquer movimento partindo do Executivo para a revisão da Lei da Anistia.
Os dois participaram ontem de encontro pelos 50 anos da resistência no Brasil, na antiga Fafich, Zona Sul da capital mineira. Abrão foi repreendido pela ministra por chegar com atraso de 1h15 à cerimônia.

Para Eleonora, a formatação da Lei da Anistia (que é de 1979) exigiu acordos que precisaram ser feitos naquele momento. “Mas quando foi colocada ao STF, já tínhamos um avanço na democracia brasileira, e hoje não tenho dúvida de que a democracia no país está altamente consolidada e fortalecida, com instituições fortes capazes de suportar democraticamente uma revisão da lei”, argumentou.

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Em Brasília, senadores também defenderam a revisão da Lei da Anistia. Após a solenidade que marcou os 50 anos do Golpe Militar no Senado, os parlamentares afirmaram que cabe ao Congresso Nacional revisar a decisão do STF. Para o senador João Capiberibe (PSB-AP), os crimes cometidos durante o regime militar ficaram impunes. "A impunidade fez com que até hoje se realize torturas em delegacias", afirmou o socialista. Ele cobrou a aprovação, pelo Legislativo, do projeto de lei do senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) ou da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) que revisam a legislação da Anistia, de 1979. Também presente à solenidade, Randolfe disse que a revelação recente dos crimes cometidos no período torna necessária a revisão da norma. "O contexto histórico e político é outro. É um imperativo histórico a revisão", afirmou o senador do PSOL.

Dívida com os torturados

A presidente Dilma, em discurso no Palácio do Planalto durante a assinatura de contrato para construção da segunda ponte sobre o Rio Guaíba, em Porto Alegre, disse que o país tem dívida com quem militou contra a ditadura. “Devemos aos que morreram e desaparecerem, devemos aos torturados e aos perseguidos, devemos às suas famílias. Devemos a todos os brasileiros”, afirmou.
“Por 21 anos, mais de duas décadas, nossas instituições, nossa liberdade, nossos sonhos, foram calados (…) Nós aprendemos o valor da liberdade, o valor do Legislativo, o valor do Judiciário independentes e ativos, aprendemos o valor da liberdade de imprensa”, lembrou. “Como eu disse aqui nesse palácio, quando instalamos a Comissão da Verdade: se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo pode existir uma história sem voz. E quem dá voz são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la.”

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, fez pronunciamento na mesma linha e pediu desculpas elas violências e crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante a ditadura militar (1964-1985). As declarações foram durante ato público sobre os 50 anos do golpe militar realizado pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), em Brasília. "O ministro da Justiça tem o dever de pedir desculpas pelo arbítrio, pelo abuso, e assegurar que a memória daqueles que foram ofendidos seja restaurada e resgatada", disse Cardozo. O ato chegou a ser interrompido durante alguns minutos por um manifestante favorável à ditadura militar, que disse discordar do ato e entregou um documento à OAB sobre o assunto. Apesar de o manifestante ter sido recebido com protestos, o presidente da ordem, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, defendeu seu direito de falar.

Protestos

Nos protestos em São Paulo, os manifestantes se reuniram em frente ao 36º Departamento de Polícia, antiga sede do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operação de Defesa Interna), um dos principais centros de repressão e tortura da ditadura. Foram mostrados cartazes com imagens de desaparecidos durante o regime militar. Segundo pesquisadores, 46 presos políticos foram mortos no DOI-Codi paulista, entre eles o jornalista Vladimir Herzog, em 1975. "As práticas de repressão e de violência de Estado que marcaram o período autoritário ainda permanecem ocorrendo contra a população pobre e negra da periferia, bem como contra as manifestações populares que têm sido realizadas e todo o país", dizia a nota dos organizadores do evento.


Em Brasília cerca de 70 manifestantes protestaram em frente à casa do coronel Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-Codi de São Paulo durante o regime. Os participantes do ato, que contou com integrantes de movimentos sociais, passaram cerca de 30 minutos em frente à casa, em um bairro nobre da capital federal, e deixaram pichações no asfalto, cartazes e marcas de tinta vermelha em fotos de pessoas desaparecidas durante a ditadura. No asfalto, os manifestantes escreveram “aqui mora um torturador”. No muro, foi afixado um cartaz escrito “se não há justiça, há escracho público”.

Com agências
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