Pressionadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), as Forças Armadas instauraram comissões de sindicância para investigar o uso das instalações militares para a prática de violações de direitos humanos, como tortura e assassinatos de presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985). Serão apuradas as violações em sete unidades, sendo uma delas o Quartel do antigo 12º Regimento de Infantaria do Exército (12º RI), no Barro Preto, em Belo Horizonte, hoje 12º Batalhão de Infantaria. A investigação foi requisitada pela CNV no dia 18 de fevereiro. A resposta veio ontem – data do aniversário de 50 anos do golpe –, em um telefonema do ministro da Defesa, Celso Amorim, para o coordenador da comissão, Pedro Dallari.
A CNV também recebeu um ofício do ministro com as respostas enviadas ao ministério pelos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, em que os militares informam quais serão as providências tomadas. “Em atenção ao requerido, considerando a importância e urgência que o assunto requer, informo a V. Exa que este comando determinou a abertura da respectiva sindicância”, escreveu o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri.
O quartel do 12º RI é apontado no dossiê Brasil Nunca Mais, elaborado em 1985, como palco de tortura de 74 pessoas. Dois torturadores denunciados por dezenas de vítimas davam expediente no quartel. Um deles, Octávio de Aguiar Medeiros, depois de barbarizar nos porões chegou a ser chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e postulou uma candidatura a presidente. Medeiros, como ficou conhecido pelas vítimas, foi o responsável pelo inquérito do Comando de Libertação Nacional (Colina), um dos grupos em que a presidente Dilma Rousseff (PT) militou. O outro torturador é o capitão Hilton Paulo Cunha Portella, que veio do Rio de Janeiro e atou no 12ºRI em 1969 e 1970. Era conhecido pelo codinome de Doutor Joaquim e pelo menos 18 vítimas apontam que ele atuava com requintes de crueldade e sadismo.
A assistente social Gilse Cosenza lembra que quando foi presa, em 17 de junho de 1969, foi levada debaixo de uma série de bofetões para o 12º RI. Gilse militava na Ação Popular e quando chegou ao local se deparou com uma sala repleta de militantes. “Lembro de militares com armas apontadas para nós e as cadeiras cheias de gente que eu conhecia”, recorda Gilse. A militante não foi torturada nas dependências do 12ºRI, mas foi brutalmente agredida em um lugar ermo, que ela não sabe precisar. “Era um posto policial na beira de uma estrada”, recorda Gilse.Especial sobre os 50 anos do Golpe de 64
Um estudo, ainda em andamento, coordenado pela professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e assessora da CNV Heloísa Starling, confirma a existência, até agora, de 36 locais de tortura – incluindo áreas militares, delegacias e casas – em sete estados brasileiros. No entanto, outra pesquisa, feita pelo historiador Rubim Aquino, já falecido, e lançada em 2010, aponta 212 endereços onde os presos políticos sofreram todo tipo de violência.
A partir dos depoimentos dos presos foram listados ainda 6.016 tipos de tortura de toda a sorte, incluindo violência física e sexual, uso de aparelhos elétricos e mecânicos e até animais, como ratos, baratas, cobras e cachorros, com a intenção de obter informações e confissões dos detidos. Os anos 1969 e 1970 foram o auge da violência contra presos políticos. Nesse período, durante o governo do general Emílio Garrastazu Médici, foram colhidas 2.233 denúncias de sevícias de todos os tipos. A maioria das vítimas eram homens entre 22 e 35 anos.
Gesto
Para o coordenador da CNV, Pedro Dallari, a resposta das forças armadas "é um gesto muito importante, que pode representar um grande avanço para a apuração das graves violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar". No requerimento, a CNV ressalta que é "imperioso o esclarecimento de todas as circunstâncias administrativas que conduziram ao desvirtuamento do fim público estabelecido para aquelas instalações”. Para Gilse Cosenza, a elucidação das torturas e dos torturadores é essencial. “Continuamos reivindicando, pois a democracia não pode ser construída com segurança se não desvendarmos o que foi a tortura. É fundamental para que a sociedade possa definir isso como algo que não pode ser aceito nunca mais”, acredita ela.
Após ser acionado pela CNV, o Ministério da Defesa encaminhou o requerimento às três Forças. O Exército informou em 25 de março ter aberto a sindicância e, na véspera, já havia comunicado que buscará as informações disponíveis sobre o tema nos "órgãos de direção setorial" e junto aos comandos militares de área e que conduzirá as diligências necessárias solicitadas pela CNV. A Marinha e a Aeronáutica responderam ao requerimento ontem. O comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito, designou por portaria o major-brigadeiro do ar Raul Botelho, comandante do Terceiro Comando Aéreo Regional (III Comar, Rio de Janeiro), como o encarregado da sindicância.
UNIDADES DO XÉRCITO QUE SERÃO INVESTIGADAS
Em Belo Horizonte
» Quartel do 12º Regimento de Infantaria do Exército - hoje 12º BI
No Rio de Janeiro
» Destacamento de Operações de Informações do I Exército (DOI/I Ex)
» 1ª Companhia de Polícia do Exército da Vila Militar
» Base Naval da Ilha das Flores
» Base Aérea do Galeão
Em São Paulo
» Destacamento de Operações de Informações do II Exército (DOI/II Ex)
No Recife
» Destacamento de Operações de Informações do IV Exército (DOI/IV Ex)