Nos últimos anos, o Brasil viu outras propostas polêmicas serem regulamentadas apenas depois de chegarem às cortes judiciais. Assim foi com a união civil de homossexuais, o uso de células-tronco embrionárias e o aborto de fetos anencéfalos. A garantia dos direitos trabalhistas a profissionais do sexo caminha na mesma trilha. No Legislativo, o então deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) propôs, em 2003, regularizar a prostituição, mas o projeto dele foi arquivado. Também na Câmara, o ex-deputado Eduardo Valverde (PT-RO) teve iniciativa semelhante engavetada. Ao apresentar o projeto, em 2012, o deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) reassumiu a causa.
“Há mais de 10 anos que se tenta regulamentar a atividade dos profissionais do sexo, e o Congresso claramente se recusou à discussão.
Indenização Sem o amparo de legislação específica, a questão avança na Justiça. Em maio do ano passado, o filho de uma prostituta ganhou o direito de receber uma indenização de R$100 mil por acidente de trabalho que provocou a morte da mãe dele, de 25 anos. Ela havia ficado tetraplégica depois de sofrer uma queda quando “trabalhava” em uma boate de Piracicaba (SP), alvo da ação. A jornada de trabalho e a remuneração serviram como provas do vínculo empregatício, o que determinou o pagamento de férias, décimo-terceiro salário e FGTS. A decisão ainda pode ser alvo de recurso, em segunda instância, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.
Desfechos favoráveis às prostitutas já haviam surgido em cortes trabalhistas gaúchas e mineiras, segundo Renato Muçouçah, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Em abril de 2013, ele defendeu, na Universidade de São Paulo (USP), uma tese de doutorado sobre o exercício profissional dos trabalhadores do sexo. No estudo, o pesquisador lista dois acórdãos anteriores ao caso paulista em tribunais regionais do Trabalho – de 2009 e de 1999 – e uma decisão de vara trabalhista.
“Acredito que vá haver reconhecimento do vínculo de emprego, em dado momento, pelo Supremo Tribunal Federal. À luz da Constituição, interpretará que os tipos penais relacionados à prostituição são inconstitucionais, incluindo o de manter casa de prostituição, desde que ali não haja exploração sexual”, projeta Muçouçah. “A prostituição praticada livremente, consentida, de alguém maior de idade, que recebe lucro, não é exploração sexual. Tolhê-la retira um direito fundamental, o de liberdade de trabalho”, conclui.
Incentivo à aposentadoria
Ao incluir profissionais do sexo na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO), em 2002, o governo reconheceu o ofício como parte do mercado de trabalho nacional. Quando se cadastra na CBO, o profissional pode contribuir para a Previdência e, portanto, receber aposentadoria pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).
No entanto, conforme dados inéditos levantados pelo Ministério do Trabalho, uma parcela ínfima de profissionais fez o cadastro.
Para mudar essa realidade, organizações de classe promoveram, entre 2003 e 2004, palestras e seminários com o intuito de conscientizar os profissionais do sexo a buscarem a inscrição. O resultado foi o aumento do número de cadastros: dos 1.688 feitos até o fim de 2013, 978 foram regularizados naquele período.
São Paulo, Maranhão e Pernambuco lideram, nessa ordem, a quantidade de registros. “Ficamos maravilhados com o resultado do nosso trabalho”, conta Maria de Jesus Costa, presidente da Associação de Profissionais do Sexo do Maranhão, que representa cerca de 1,1 mil pessoas. Desde 2002, o estado fez 478 registros. Contudo, Maria de Jesus relata que a rotina de trabalho dificulta a busca pela inscrição. Segundo ela, postos de gasolina em estradas maranhenses servem de ponto para mulheres que se prostituem apenas aos fins de semana, e viagens de um estado a outro dificultam estimar quantas pessoas estão envolvidas com este tipo de trabalho.
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