A declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à imprensa portuguesa de que o julgamento do processo do mensalão teve “80% de decisão política e 20% de decisão jurídica” provocou uma reação em cadeia entre integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), da Procuradoria da República e políticos. O presidente do STF e relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, afirmou que a “desqualificação” da Corte feita pelo petista “é um fato grave que merece o mais veemente repúdio”. O ministro Marco Aurélio Mello considerou o comentário um “troço de louco”. O magistrado aposentado Ayres Britto, que presidiu o STF no início da primeira etapa do julgamento da Ação Penal 470, afirmou que a “legitimidade” das decisões é incontestável. “Um processo jurídico, com um julgamento jurídico”, resumiu o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), pré-candidato à Presidência da República e principal representante da oposição ao governo, a fala de Lula “não faz bem à democracia” além de “não honrar a história de um homem que foi presidente da República.”
Em nota divulgada ontem à noite, o chefe do Judiciário não poupou Lula. “Lamento profundamente que um ex-presidente da República tenha escolhido um órgão da imprensa estrangeira para questionar a lisura do trabalho realizado pelos membros da mais alta Corte de Justiça do país”, enfatizou Barbosa. Ele saiu em defesa do julgamento, que culminou na condenação de 25 réus, incluindo ex-integrantes da cúpula do PT.
O chefe do Judiciário observou que ação foi conduzida de forma “absolutamente transparente” e as partes tiveram acesso simultâneo aos autos do processo. “Portanto, o juízo de valor emitido pelo ex-chefe de Estado não encontra qualquer respaldo na realidade e revela pura e simplesmente sua dificuldade em compreender o extraordinário papel reservado a um Judiciário independente em uma democracia verdadeiramente digna desse nome.”
Direito de espenear De acordo com o ministro Marco Aurélio, as críticas de Lula ao maior julgamento da história do Judiciário brasileiro são o exercício de seu “sagrado direito de espernear”, mas ele espera que a tese defendida pelo petista, que até mesmo nega a existência do mensalão – esquema de pagamento de propina para a base aliada no Congresso em troca de aprovação de projetos de interesse do governo –, não ganhe “ressonância junto à sociedade”. “Na dosimetria (tamanho das penas) pode-se até discutir alguma coisa. Agora, a culpabilidade, não. A culpa foi demonstrada pelo Estado acusador”, afirmou.
Marco Aurélio rechaçou também a tese de Lula de que o julgamento do mensalão tenha sido “um massacre que visava destruir o PT”. “Somos apartidários, não somos a favor ou contra qualquer partido”, defendeu o ministro, referindo-se ao plenário da Suprema Corte. Ele lembrou ainda que na primeira fase de julgamento da Ação Penal 470 a Corte era composta majoritariamente por ministros indicados por Lula, o que, por si só, já se contrapõe à afirmação do petista. “Ele (Lula) repete algo que não fecha. No final do julgamento eram só três ministros não indicados por presidentes petistas. A nomeação é técnico-política e se demonstrou institucional. Como eu sempre digo, não se agradece com a toga”, concluiu.
Política A afirmação de Lula foi feita em resposta a uma questão da TV portuguesa RTP sobre possíveis efeitos das condenações de petistas ligados ao mensalão na campanha eleitoral deste ano.
No páreo para as eleições, Aécio Neves classificou a afirmação de Lula de “lamentável”. “Pela importância do cargo que ocupou, ele deveria ser o primeiro a zelar pelo respeito às nossas instituições”, criticou o tucano. “É lamentável vermos um ex-presidente da República com afirmações que depõem contra o Poder Judiciário, esteio da democracia brasileira. Não podemos respeitar o Poder Judiciário quando ele toma decisões que nos são favoráveis e desrespeitá-lo quando ele toma decisões que não nos são favoráveis”, cutucou Aécio.
Também pré-candidato à Presidência da República, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) evitou entrar em confronto com Lula: “Acho que esse assunto já foi 100% discutido pela sociedade e 100% discutido pela Suprema Corte do Brasil. Por isso, ele faz parte de uma agenda do passado”, afirmou. Campos era ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula na época em que o escândalo veio à tona.
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